31.3.16

Em diferido. #47

Um estilo muito próprio - Já é Primavera, num Portugal tomado pela gentileza de ser. Não sei como lhe chamar. Se largo, praceta ou uma rua enviesada. Mas cumpre a função, seja qual for o nome que lhe dão. Nesta cidade de gente nova a passear as roupas despidas, a meia-idade não tem trejeitos à vista. Guarda-os no sossego da sala de estar do apartamento que ainda paga ou no baile de esperança e expectativa, cujo propósito é juntar os divorciados e os viúvos da zona. E dos arredores. Ou, se permitirmos, é tudo mentira. Fatal utopia, a de antecipar a vida alheia. Sinto-me visita quando volto. Por certo, porque nunca fui senão visitante com curiosidade e paixão. Por ser impossível, não esqueço um lugar como este. Onde as tradições nacionais e regionais ainda existem, mas vão falecendo. Tão moribundas como as ruas numa hora vazia. Lá, onde vestir bem e sair para a rua, parece ter um duplo sentido. Desassossegam-se as almas exânimes, tomando fulgor de última temporada. Depois de levar o corpo pela cidade, volto à praça pequena ou rua sem entrada. Fica lá, qual majestade, a padaria. Das antigas, onde o nome do fundador é história relevante. No cimo de uma das portas principais, lá está o nome cravado. Entrei e falavam de idade e do peso de não conseguir contrariar os declínios. Estava, daí a conversa, uma senhora de noventa e quatro anos ao balcão. Um charme. Quando existe, não morre. Jamais. A minha mãe lembrou a minha avó. Viva e tão apta. À saída, a mesma senhora. Ajudamo-la. – Obrigada, meus queridos. A figura tão torpe que uma velha consegue fazer. Obrigada e perdoem-me a desfeita. – Sorrimos. Antecipou um pensamento. Felizmente, em tempo algum, poder-nos-ia invadir a lembrança. Tenha um bom dia. Até qualquer outro.

2 comentários:

  1. É Costume dizer-se que algo só morre, só acaba totalmente quando se deixa de falar do mesmo....
    Enquanto houver ex-moradores, ex-....filhos da terra e seus descendentes que regressem , visitem e que como tu, com tanto carinho e emoção falam do local e pessoas que por lá estão, nada estará totalmente perdido!!
    Viva os locais mágicos e cheios de história... mesmo que seja a "história de gente"!!!
    Beijinhosss Real

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    1. Entas,
      Precisamente. Soa a cliché, mas é genuinamente verdade. Algo ou alguém só desaparece no momento em que nos permitimos esquecer. Fora isso, viverá sempre. Noutro plano, mas sempre.
      Deixar de ser não implica desaparecer. Principalmente quando há estórias e/ou histórias para contar :)

      Beijo.
      Até já.

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