Ficar
eternamente à espera que a lua não saia do lugar é uma forma tão válida como
outra qualquer de fintar uma insónia malina ou uma série de pensamentos que
resvalam para a cama alheia. Imagino muitas cabeças com este dilema. Ainda não
nasceu o dia, já pinga na rua. Um aqui, outro além. Da rua de cima já soa. Os
carros já começam a passar. Na rua de baixo, antes da avenida, já a vida vai
sendo certeira. No café, as pessoas cruzam-se rotineiramente. Quem os recebe
sabe, sem mazelas, qual o pedido. Nunca muda. Cruzam-se, homens e mulheres. Cabelos
penteados, fatos arranjados, saias curtas, tacão alto. Brincos singelos, anéis
grandes. Gravatas com o nó perfeito, finos tecidos na lapela. Calças de ganga,
casacos largos. Nesta hora, gente que segue para o trabalho. Nesta rotina, vive
sem sossego, um conhecido meu. Mais velho. Mas pára para sossegar o âmago. Antes
de começar tudo outra vez. O mesmo conhecido que, diz ele, descobriu por estes
dias que é bonito. E não imaginamos como isso adulterou todas as suas
definições. De gente e de macho com posição e retorno. Voltou à gaveta das
surpresas. Não lhe perguntei pelo recheio. Tive receio de uma qualquer alusão à
fauna dos super-heróis de cuecas. Mas ele insistiu. De lá para cá, já saiu à
noite. Já usou parte dos preservativos em pausa. Na tal gaveta, imagino. Deixou
os fatos escuros e bem engomados. Ao balcão, admira silenciosamente, as ancas
que seguem para a rua. Por desmérito da minha curiosidade, não lhe perguntei de
onde veio o atestado de beleza. Fiquei antes pela certeza de que, quer
queiramos, quer não, os pormenores fazem a diferença. E mudam vidas. E o dia
estava só a começar.
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