Conheço
quem se debruce, não poucas vezes, sobre as questões do amor. Uma espécie de
laboratório caseiro. Mas eficaz, garante-me. Um prédio, uma rua, uma empresa ou
um espaço dançante, tornam-se, à sua mercê, numa bolha, cujo objectivo máximo é
o estudo do amor. Parece irreal, mas é pura verdade. Conheço-a o suficiente
para me fazer crente. As suas palavras são um irrepetível esboço de uma
putativa tese. Refuto vezes sem conta, mas é na partilha que nos deixamos
ficar. Entretemo-nos horas nesse desafio opinativo e assertivo. Gosto dela, da
sua sinceridade, da coerência e, inevitavelmente, da forma despojada como
aborda este e outros temas. Baseia-se, afirma, nas suas experiências. Depois,
galga terreno com o que a sua vista alcança. Com a percepção que lhe chega. Com
os relatos que ouve. A profissão, parece-me, ajuda. É uma mulher atenta,
inteligente, astuta, cúmplice e uma excelente oradora. Recorreu a todas e a
nenhuma no momento em que decidiu que havia de conhecer o vizinho do primeiro
andar. Rapaz garboso, sem horários, com um bom carro e que aos fins-de-semana
dava valentes festas. Acabou por confidenciar que a primeira vontade foi
envolver-se numa tórrida e furtiva relação, mas que a segunda era bem mais
imperativa: Acabar com as festas do primeiro andar. Tanto quanto me lembro, a
primeira vingou com facilidade. A segunda fez-se demorada. Cá estamos nós os
dois e mais uns quantos amigos, num sítio que gostamos de repetir, entre copos
e conversas boas. Ela lembra que é uma incansável estudante das vicissitudes do
amor. E que, por isso mesmo, é uma mulher incansavelmente insatisfeita. Quando
isso mudar, chega ao fim o seu maior passatempo. Gozar a vida como se de um
romance de fim de tarde se tratasse. Garanto que gostava de ver o amor com os
moldes das novelas que a minha avó guarda lá em casa. Ou como os variadíssimos volumes
de romances que a minha mãe foi acumulando. Gostava. Mas é mentira. Não me
coube em sorte a crença de que o amor se reproduz em cada esquina. Ou num
qualquer primeiro andar da vida.
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