Se
sossegarmos o espírito, ganhamos margem e terreno. Permitimo-nos pensar,
lembrar. Recordar, de fisga lançada às memórias. Arremessando-lhes
assertivamente. Tão gráfico como doloroso, quantas vezes. Incontroláveis, as
memórias equilibram-se no âmago da intempérie. Acontecem, é certo, sem que as
convoquemos. Porque, neste mês, que há muito me habituei a ouvir que é mês
desastroso, peganhento e de maus fígados. Aceito, precisamente, por ter sido
num distante mês de Fevereiro, que me disseram que o meu avô havia partido.
Havia morrido. Primeiro, ao telefone, a dona Gracinda desfazia-se em desculpas
mil, para a demora do meu pai e para a ausência da minha mãe. O meu pai que
tardava em apanhar-me no fim de mais uma manhã de aulas. Estranhei,
inevitavelmente. Mas, em tempo algum, suspeitei. Atrasado, o meu pai chegava
com a minha mãe e a minha irmã mais velha. Aconteceu assim. O resto, de tão
íntimo e assustadoramente expectável, não merece relato. Foi, precisamente, no
mês que corre, que o meu avô morreu. Um homem de palavra e dedicação. De
família, sempre. De camisas e calças de tecido fino altamente engomadas e
vincadas. Os sapatos impecavelmente engraxados, outras vezes, brilhantes. Sem
dispensar os relógios. Um é meu para a eternidade. A postura hirta, algo elegante,
o passo certo e firme. Da cortiça que lhe guiava o trajecto profissional. A
pedreira também lhe preencheu o design
da carreira. Com intrepidez, não se limitava a gerir, arregaçava mangas quando
preciso. Um homem, um profissional. Sem artifícios. Sou suspeito, bem sei. Não
lhe herdei os olhos claros. Somente porque não tinha que ser. Ganhei-lhe outros
hábitos e feitios, quero acreditar. A morte é uma ressecção. Mantém-se a moça,
mas arranjam-se medidas compensatórias. Contrario-me, pois, lamentavelmente,
não acredito na compensação. Arranjam-se, então, medidas de salvação e continuação.
Nos meses todos que se seguem. Sem intermitência. Para sempre. Foi neste mês,
todos estes anos volvidos, que ouvi que o meu avô havia morrido. Foi neste,
podia ter sido noutro qualquer. É uma merda. É, sem metáforas, uma merda.
Ficam para sempre as memórias, desse Senhor, impecavelmente vestido e arrumado...assim aposto que também seria nas ideias...e nos actos!
ResponderEliminarFoi e será certamente um grande marco na tua vida !
Um beijinho grande.....hoje será um BOM dia para o relógio...assim..sem metáforas!
Muito obrigado, Lena! :)
EliminarAs memórias, por mais que o tempo se consuma, jamais desaparecerão. Fazem parte de um espólio que faço por manter sempre vivo. Não poderia ser de outra forma. Há sempre o que não controlamos.
Sim, embora, suspeito sei que era coincidente, a imagem física e o interior. Sabendo, contudo, que era bem mais acessível do que, por vezes, aparentava.
Vou levá-lo, daqui a umas horas, a um jantar de bons amigos ;)
Beijinhos.
Até já!
Um óptimo fim-de-semana.