A
vidraça quadriculada, cortada pelo alumínio, está semicerrada. O dia a
recomeçar contagem, vai e vem, já lá vão as zero horas contadas ao soarem. A
varanda ao relento, forte aragem e luar pesado, corando a rua vazia, pingada de
um cinzento que lembra uma película a preto e branco. Peca ou deprava,
reforçando o contentor afogado, lá ao fundo. Nuvens de fumo, aos pulos
tremidos, a fugir do cigarro meio, segurado entre os dedos finos da
atrevidamente desajustada, desalinhada e atraente mulher. Ela repete-se nesta
rotina. Debaixo da cacimba. Em trajes menores. Desnudada. Em lingerie. Porque já lhe agonia o sexo.
Diz da boca para fora. Porque lhe levaram a companhia maior. A mulher fuma para
matar o que a corrói. Para consumir os pulmões. Para secar as entranhas.
Levaram-lhe a companhia. A companheira. Desde que as viram embarcar num trocar sentido
de um beijo no vão da escada do agastado prédio. Do lugar que escolheram para
refúgio. Para amar. Em segredo. Guardadas. Até ao momento final. Amar diferente
mata, quando não há liberdade. À espera, esta mulher fuma. Passa, assim, o
tempo morto. Morta está. Até à salvação. Até ao regresso ou ao reencontro.
Ligou, desligou. Intermitente, o candeeiro de rua, ao lado, realçando as
sombras. Focando a diferença. Ostentando a fragilidade. Um fazer de conta, golpeando
a agonia. Um dia que volta e revolta, como o que está antes. Acabou. De costas,
chorou.
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