27.11.14

Objectiva arrefecida.

Um dia destes, daqueles em que o frio jamais é impedimento para me levantar da cama e sair para a rua, fui fotografar. Sob uma brisa e neblina tão típicas da madrugada a correr para o dia. Embora, questione, em cada um desses dias, a necessidade de me ultrapassar, num horário e temperatura tão descuidados e nada estimulantes. Ou, porventura, seja esse regelar que pica a vontade. Mas, fugindo à fuga desordenada de ideias, que fluem conforme vou escrevendo. É um desafio. Como redigir na máquina de escrever que tínhamos lá em casa. Hoje tão obsoleta. Então, a elegância e a ilusão de ser escritor de verdade. Lembro-me tão bem da mecânica e da saudade de voltar a ela. Em detrimento do computador. Hoje nem sei onde vive. Algures numa arrecadação sem alma. Não tem mais de duzentos anos, mas é e será, de modo eterno, parte da pele de quem escreve. Torno a embrulhar as ideias e as memórias. Um dia destes, voltei a sair cedo para fazer, do meu jeito, uma das artes que mais prazer de dá, fotografar. Junto ao rio, num passadiço, passou um velho homem numa bicicleta. Fotografei-o, inevitavelmente. Agradou-me a luz contrária ao seu destino. As costas dele voltadas para a minha objectiva. Ficou leve e natural. Como andar de bicicleta. Já em casa, ao voltar a elas com outro cuidado, chamaram-me a atenção as peúgas do mesmo homem. Encarnadas. Vermelhas, se preferirmos corrigir o snobismo. E fazendo força para não fugir dos lugares comuns, há apontamentos que fazem a diferença. E, se permitirmos, nos marcam, em cada uma das manhãs frias de um outono de verdade.

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