Vizinha
travessa em meio pequeno é como a marquise isolada na fachada de um prédio.
Podes não viver ali, não conhecer os rostos, os nomes, as profissões, os feitios
e as rotinas, mas não deixas de tirar a pinta ao habitante daquele andar.
Passa-te informação, não poucas vezes, em excesso. Não te interessa.
Importava-te a arquitectura alinhada. Há um antes e depois. O que outrora havia
sido paisagem construída, virou uma espécie de Tetris de mau gosto. Num lugar
que não será aldeia, chega a vizinha de todos. O cabelo acinzentado, curto e
zangado com o mundo. A bata axadrezada e as mãos nos bolsos da dita. Postura
rija, mas sorriso nos lábios. Vem na nossa direcção. Mexe os ombros enquanto
nos fisga o olhar, como quem pergunta, afinal, o que fazemos ali. Há fama de
lugar falhado. Como se fosse assim, tão fácil como a coerência. Dirigimo-nos a
ela e perguntamos indicações. Não conhece, por isso não tinha como ajudar.
Contudo, manteve assunto. - Esses não conheço, mas a fulana tal mora ali à
frente. É a mãe de três, avó de duas. Amantizou-se com o Carlos, depois de
divorciar-se do Manuel. Agora leva o Carlos, filho da Ti B, lá para casa. Mas
vão lá, batam no postigo, que ela atende. E sabe de tudo e de todos, não é como
eu que não saio daqui. Vão lá. – Enfim, não era ali. E resumi. Seguimos
caminho. Mas ficamos a saber da rotina alheia. Passamos pelo postigo, é verdade.
Mas não nos atrevemos a incomodar. Talvez, porque já sabíamos a história
daquela gente. Superficialmente, é certo. Ainda assim, sabíamo-la. Vizinha
marota esta, que não sabe. Não sabe guardar.
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