Sexta-feira,
vinte e quatro de Abril, tarde coberta, céu acinzentado, nuvens zangadas. Ouvem-se
gritos e passos desassossegados, fazendo imaginar um grupo largo de crianças. Abordam
os transeuntes, dão-lhes algo. Entram em espaços de negócio e voltam para a rua
de mãos vazias. Chegam perto de nós e percebemos, estão a distribuir a simplicidade
e a liberdade em pequenos papéis. Cada um, uma frase, um destino sem volta.
Verdades sem contra-argumentação. No que me ofereceram, podia ler-se: “A
liberdade tem de ser respeitada”. Noutros, a alusão ao actual quotidiano das
massas. Ainda divertidos cravos feitos à mão. Justiça, era a palavra escolhida.
Não sei, mas pelos relatos que vou ouvindo, pelo que vou lendo e, acima de
tudo, pelo que vou procurando saber, a noite que antecede o dia lembrado é, sem
pensar, esquecida. A emoção, a comoção, a vontade da revolução vividas na pele.
Tudo deve ter ultrapassado os poemas que têm paciência ou os que matam em cada
verso. Zeca Afonso cantou a intervenção política. Por mais anos que passem, o
vinte e cinco de Abril será, vezes sem conta, o maior e melhor pretexto para
lembrar a flor da revolução, encher as ruas e as avenidas com vontade de
comemorar o que passou, mas com mais e ferozes ganas de limar o presente e
ultrapassar o desgoverno, com a necessidade de alicerçar um futuro próspero,
condizente com a estrutura ambiciosa e criativa de mil novecentos e setenta e
quatro. Nunca esquecer a educação, a formação. Volvidos estes quarenta e um
anos, é impossível não rever a democracia e não pensar no quão embrionária é no
nosso país. Sossegada, por força dos inexperientes que brincam ao faz de conta.
Talvez não seja como nós queremos. Mas desligar e deixar andar, não é a razão
dos sentidos.
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