A
bancada é de uma madeira praticamente imaculada. A janela na frente, ausente de
cortinas e cheia de vida do vidro aos quadradinhos para fora. O jardim é
bonito, tem verde com fartura, questões que têm resposta nos outros
apontamentos, coloridos. Do rosa tradicional ao laranja apelativo. Árvores e as
flores com estórias agarradas, umas outras tão imberbes, frágeis à vista, ainda
mais ao toque. Cá dentro, a bancada que inventa pureza tem sobre ela uma tábua,
também de madeira. Esta, tão gasta e marcada. Sem lhe conhecermos o passado,
sequer os últimos minutos, inventamos-lhe um propósito. Uma causa primeiro, por
fim o efeito. No recheio destes dois, ficou o processo. Agora os verdes
impecavelmente cortados combinam com o leito, a tábua. A faca é hábil, em
resposta às mãos que a comandam. Juntam-se outros tons, quentes e apelativos.
Outras texturas e cheiros. Ao lado, quatro copos de vinho. A garrafa meio vazia.
A seguir, a confissão. Vezes sem conta, uso e abuso deste ponto. Abro
totalmente a janela e fico a inventar. Crio motivos e razões. Justifico cada
pessoa que passa na rua junto ao portão. Já vi mulheres corujas, mães felizes,
esposas traídas e fêmeas maltratadas. Já vi homens falhados, professores sem
pensamentos, pais ausentes e machos felizes. Viver iludido é magia. Como uma
brincadeira de criança. Fazer de conta e rir disso. Descobrir as diferenças é
outro jogo. Só brinca quem quer. Depois dela terminar o desabafo, foi impossível
outra reacção. Fizemos silêncio.
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