Acabo
de sair do carro, e vejo pessoas com vontade de que o verão não morra. Estou
como elas e com elas, sigo caminho e tomo as escadas. Trago um livro na mão.
Tenho outro sossegado na mesa-de-cabeceira. Ainda outro na mesa de múltiplos
afazeres. Ler, assim mesmo, vale por si. Não precisa de parentes emprestados,
vontades inquinadas e valores monitorizados. Ler, sem mais nem menos, é um
absurdo e valente gosto. Desgosto, se não acontece. Por seu turno, absorve-nos
o frenesim constante da rotina. Consome-nos a fantasia de que vale sempre mais.
Fazer mais e deixar o resto em estufada espera. Também por isto, pesa-me o
facto de adiar leituras. De deixá-los, aos livros, por aí, até à merecida
oportunidade. De desligar-me, com a idade a cavalgar, das idas à biblioteca da
cidade. Da minha cidade. Num destes dias, daqueles de transição, entre o
chegar, o ir e o voltar. Passei, volvidos tantos anos, à porta dessa
biblioteca. Por fora, despida e sentida do tempo, continua oportunamente à
disposição. Em tempos idos, sozinho a ler títulos, descrições e autores, não
tantas vezes como pudesse, eventualmente, querer. Noutras vezes juntava-me ao
pessoal, por força de trabalhos escolares, entre a pesquisa efectiva, a escrita
pertinente, os diálogos estratosféricos, a imaginação sem fim, os livros
abertos e a informação a ferver. Precisamente num desses dias, nós os três,
companheiros de sempre, sossegávamos o espírito no átrio, ao ar livre. Numa
mesa mesmo ao lado, um senhor. Hoje, se conseguir com algum esforço lembrar-me
da sua cara, dar-lhe-ia uns cinquenta anos, sessenta no máximo. Naquele dia,
pareceu-me um verdadeiro ancião. O senhor tinha um chapéu de veludo verde-escuro,
uns óculos graduados, uma barba farta e esbranquiçada. Cruzava as pernas e lia
o jornal, enquanto pousados na mesa, estavam dois livros e uma maçã verde. Um
deles, tão pesado. Por duas vezes, ouvimo-lo falar, mas não entendemos uma
sequer palavra. Falava mais alto, como que a dar a entender que se fazia ouvir.
Tornou e numa terceira investida, pergunta-nos se sabíamos alguma informação
sobre aquilo que comíamos. Sinceramente, não me recordo o que era.
Respondemos-lhe por educação. Ele continuou e disse-nos que a carne e os
açúcares, assim como, outros pertences da alimentação quotidiana, acabariam por
nos matar. Discorreu sobre este e outros assuntos. Comam maçãs, terminou. Tenho
pena, muita, de me ter esquecido de grande parte do seu discurso. Comam maçãs,
bebam água e criminalizem todo o fumo que vos invadir o corpo. Simpaticamente,
agradecemos-lhe. Ele levantou-se, enrolou o jornal, pô-lo debaixo do braço,
agarrou nos dois livros e na maçã. Esta, levou-a à boca e mordeu-a. – Agora,
dizia ele, tenham uma boa tarde. E muitas maçãs, é o que vos desejo. – Estava longe,
muito, de imaginar que um dia, não tão distante quanto isso, eu iria proceder a
uma mudança alimentar com expressão. Unicamente, por convicção e interpretação
próprias. Acabo de chegar, pousar o livro e escrever este texto. Aprecio a
ironia mas não atribuo menos importância à valentia de alguém se levantar para
deixar a opinião ficar.
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