Na
rua, singular ou na pluralidade da existência - afastando quaisquer clichés,
ainda assim, deixando-lhes, em jeito de convite, a porta entreaberta - há
frases feitas pelas paredes vazias. Esburacadas, ocas, como já versava a
canção. Aproveita-se a fachada, assim meio desligada da convivência mundana, e
espetam-lhes frases. Algumas, alegram-lhes as vistas. Vestem-nas de imagens e
palavras que se tornam, em levando a atenção à disposição, em tremendas
equações. Mesmo que a matemática te escape, mesmo que a tenhas esgotado num
atrasado e distante ano lectivo. Na rua, ou nessas múltiplas e diversificadas
ruas, vou tendo sorte. Desde a janela escancarada, num primeiro piso antigo,
que deixa as cortinas fugirem com o vento, para espreitar quem passa por baixo,
donde saía, para além do tecido amancebado com a brisa, música boa. Alguns,
sacanas preguiçosos, haviam de apelidá-la de ecléctica. Um bom jazz e logo depois Janis Joplin meio
arranhada. Teve essa rua, pelo menos, naqueles minutos, vida nova. Sequer
imagino se, porventura, é um hábito daquela janela. Mas que soava bem, isso não
desminto. Passando por uma outra, onde desprovida de complexos, uma velha
senhora descia de uma carrinha, e dançava para os companheiros de viagem. Lá
dentro, todos sorriam, aplaudiam e acenavam felizes. Cá fora, no asfalto, os
cabelos brancos, o corpo franzino davam liberdade. Saltava, imitava uma espécie
de dança e ria. Elevando os braços. Uma reveria inqualificável à liberdade, à
vida. Ri-me com ela. Por acreditar na sinceridade. Inacreditavelmente ou talvez
não, fiquei feliz enquanto os via. Continuei e nunca mais esqueci a baixinha
senhora que escolheu viver a vida, sob pena de perder pedaço. Até uma outra
rua, onde, sem que o conhecesse, um jovem senhor acomodou-se ao meu passo e
acompanhou-me rua abaixo. Desnivelado e desenrascado. Pensei. As palavras
trôpegas e dispersas, a conexão inexistente. Vai esperar a namorada que está
para chegar. Comprar uma casa e morar para sempre naquele amor. Anunciou-me que
em tal superfície comercial os computadores portáteis estão a bom preço e numa
outra os telemóveis preferidos são os mais vendidos. Trazia, debaixo do braço,
papéis de publicidade que comprovavam. Bom casamento, amigo. Para ti também,
que deve dar trabalho viver e pensar. Ri-me com ele. É verdade. Cansa, por
demais. Loucos somos todos. E só merece o título se o fizermos sem prejuízo
para a mente. Um viva!
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