Século
XXI, chega o Outono no ano dois mil e quinze. Sentadas tomam umas águas,
sossegam os óculos de sol na mesa. Em copos altos, brilhantes. De cabelos
armados, cores simpáticas, bem ao jeito da verdadeira e recatada senhora da
sociedade. Dentes brancos e direitos, batom cor de sangue, figurino a condizer.
Saltos altos e malas no tom. Ouro e fantasia em amena convivência. Depois da
morte, assunto de largos momentos, chega a depressão da sociedade global.
Cruzam-se, imagine-se, raças, credos e outros fundamentos. A medo, esta amiga
de longa data da minha mãe, conta que a filha vem mantendo uma relação com um
rapaz. Silêncio. Um rapaz preto. Ouço um suspiro. Voltou a voz baixa e a
ressalva que imperava: um rapaz preto, mas nada de especial, assim clarinho.
Uma simpatia de moço. Limpa, cozinha e tem um sem fim de talentos. Mas é preto,
o malandro. Esperando pelo fim do discurso, a minha mãe pergunta: - Estão
felizes? - Claro, só não aguento ter de partilhar a televisão no horário da
novela dos pretos. Peço-lhe, encarecidamente, que mude de sala. – A minha mãe
ofereceu uma gargalhada das típicas e termina: - Que o rapaz a trate como ela
merece, que sejam felizes. Longe de tornar a prosa anterior e a seguinte num
estilo armado de ferro e ausente de ternura dos pés à cabeça. Da que me vem de
dentro, fugindo assim a atenção do que possa, eventualmente, parecer. Mas
apontando o dedo à miséria emocional e intelectual do outro. Não faz sentido,
por força da verdade de cada um. Encontrei uma explicação para os encontros com
esta conhecida serem propositadamente ausentes, demorados no tempo. É um
absurdo que não se cultive a multiculturalidade. Certamente, tornei-me num
homem com as características que me são intrínsecas e com uma outra parte,
fruto dos estímulos e das circunstâncias. O preto, por exemplo, figura no topo
das minhas cores favoritas. Mas não se esquece aí. À mesa, sentam-se bons
amigos pretos. E, vamos lá perceber, temos conversas altamente cativadoras e
reveladoras de inteligência. E, tal como eu, apreciam uma boa pausa para a
ironia e respeitam a fraqueza alheia.
Sem comentários:
Enviar um comentário