5.10.15

Um banco de madeira que é de excelente casta.

Não me lembro do meu avô temer a chuva, miudinha ou grossa, de deixar para amanhã o que podia fazer, sem prejuízo, naquele instante. Lembro-me, antes, dele sentado, com as suas calças de tecido perfeitamente engomadas, os seus sapatos engraxados com maestria, as camisas impecáveis, as peúgas no tom certo. Até o chapéu, enquanto a idade o permitia gozar da vontade de escolher. Mentiria se dissesse que ontem me sentei com o meu avô a ver as ideias a passar, a verbalizar parte delas. Que nos sentámos naquele banco de madeira castiço, já gasto do tempo. O tempo gasta, quando nasces inocente, igualmente quando nasces azedo, estragado. O banco que me habituei a ver sempre no mesmo lugar. Junto à porta dos fundos, com uma vista altamente privilegiada para as flores tão bem cuidadas da minha avó. De cores sem fim, das tradicionais aos feitios estrambólicos, assumidamente amor e dedicação plantados. Sentados, quase não conseguimos ver dos muros para fora, do portão para a rua. O banco que só não era pequeno porque o amor acrescenta. Ontem, ali sentados, se não fosse mentira, a pensar no todo. A permitir asas à imaginação, como noutros tempos, de petiz perguntador. Não foi, certamente, nesse banco de jardim que conheci a orientação política do meu avô. Militante de um partido, soube na mesma altura, num qualquer jantar de família reunida, militante activo e prestativo de uma força política. Não percebi nada, avento desde logo. Precoce a boa nova, esqueci-me de perguntar mais. Partilhava o entusiasmo com um cunhado e outros tantos desta família. Lembro-me dos jornais e papéis sem fim, alusões inesgotáveis às designações, crenças e questões tão características daquele partido. Lamento, nunca lhe ter perguntado mais, naqueles momentos a pensar e a conversar sem fim, sobre a sua posição. Nunca foi indiferença, infelizmente foi a imaturidade forçada pela tenra idade até à sua morte. Guardo-lhe questões que serviriam, irrevogavelmente, os nossos momentos sentados naquele banco. Entre outros assuntos, teria o maior gosto em atiçá-lo, usando a eloquência que ambos admiramos, explicando porque nunca partilhei com ele a intenção, tampouco, o voto. A abstenção corrói, o voto inconsciente destrói. Quando não resulta, entre os escombros, voltamos ao lugar certo, mesmo que demore. Mentiria se dissesse que ontem partilhei com o meu avô aquele banco. Só não o faço porque, ideologias políticas à parte, partilhamos a óbvia e civilizada vontade de votar e de, claro, opinar.

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