Não
me lembro do meu avô temer a chuva, miudinha ou grossa, de deixar para amanhã o
que podia fazer, sem prejuízo, naquele instante. Lembro-me, antes, dele
sentado, com as suas calças de tecido perfeitamente engomadas, os seus sapatos
engraxados com maestria, as camisas impecáveis, as peúgas no tom certo. Até o
chapéu, enquanto a idade o permitia gozar da vontade de escolher. Mentiria se
dissesse que ontem me sentei com o meu avô a ver as ideias a passar, a verbalizar
parte delas. Que nos sentámos naquele banco de madeira castiço, já gasto do
tempo. O tempo gasta, quando nasces inocente, igualmente quando nasces azedo,
estragado. O banco que me habituei a ver sempre no mesmo lugar. Junto à porta
dos fundos, com uma vista altamente privilegiada para as flores tão bem
cuidadas da minha avó. De cores sem fim, das tradicionais aos feitios
estrambólicos, assumidamente amor e dedicação plantados. Sentados, quase não
conseguimos ver dos muros para fora, do portão para a rua. O banco que só não
era pequeno porque o amor acrescenta. Ontem, ali sentados, se não fosse
mentira, a pensar no todo. A permitir asas à imaginação, como noutros tempos,
de petiz perguntador. Não foi, certamente, nesse banco de jardim que conheci a
orientação política do meu avô. Militante de um partido, soube na mesma altura,
num qualquer jantar de família reunida, militante activo e prestativo de uma
força política. Não percebi nada, avento desde logo. Precoce a boa nova,
esqueci-me de perguntar mais. Partilhava o entusiasmo com um cunhado e outros
tantos desta família. Lembro-me dos jornais e papéis sem fim, alusões
inesgotáveis às designações, crenças e questões tão características daquele
partido. Lamento, nunca lhe ter perguntado mais, naqueles momentos a pensar e a
conversar sem fim, sobre a sua posição. Nunca foi indiferença, infelizmente foi
a imaturidade forçada pela tenra idade até à sua morte. Guardo-lhe questões que
serviriam, irrevogavelmente, os nossos momentos sentados naquele banco. Entre
outros assuntos, teria o maior gosto em atiçá-lo, usando a eloquência que ambos
admiramos, explicando porque nunca partilhei com ele a intenção, tampouco, o
voto. A abstenção corrói, o voto inconsciente destrói. Quando não resulta,
entre os escombros, voltamos ao lugar certo, mesmo que demore. Mentiria se
dissesse que ontem partilhei com o meu avô aquele banco. Só não o faço porque,
ideologias políticas à parte, partilhamos a óbvia e civilizada vontade de votar
e de, claro, opinar.
Sem comentários:
Enviar um comentário