Sentado
algures, oiço-te e vejo-te como se estivesses à minha frente. O tempo não
chega, aniquilo por completo o tempo, nunca a qualidade, para as relações que
vivem definidas pela distância. Procurares-me com a desculpa inusitada de que
queres relatar-me toda a tua experiência nas últimas férias no Dubai. É estranho.
A conversa demorou-se e, em pouco tempo, contaste-me o que achaste importante,
tudo menos as tuas férias. Depois de desligar, a memória que me falha vezes sem
conta, levou-me à nossa última estada fora de portas. Das nossas portas. Aconchego
os meus óculos graduados de ocasião e, longe, dou a falsa sensação de estar
presente. Chama-me, recorrendo à primeira letra do meu nome. Nesse instante,
nada. Não tinha espaço no pensamento, senão para o piano de cauda. A vontade
quase sôfrega de querer guardá-lo ali, perpetuá-lo nas nossas vidas. Imaginar
que é a maior descendência de umas mãos que, em tempo algum, negaram o talento
e a arte de se sentar, sentir e partir nesse trote de matizadas teclas.
Chama-me, outra vez, usando a primeira letra do meu nome. Então, respondi. E
menti. Nessa tarde, já o escuro ganhava, disse-lhe que acreditava nos romances.
Nos de encantar. Que acreditava nos beijos trocados sobre a areia molhada, com
cheiro a água salgada, sob o pôr-do-sol que tem tons alaranjados e corta a
respiração. Nessa tarde, longe de casa, partilhámos a varanda de outros,
passámos a mão pelo gato, companhia de soslaio. Tomámos algo e ela, com a cara
mais equivocada, confidenciou-me que lhe magoava a boca exagerada. Os lábios
grossos, carnudos rosados. Nessa tarde, depois de pousar o copo de vinha na
mesa baixa, fintei-lhe o olhar, roubei-lhe a confissão perfeita. Nesse hiato,
não menti. Garanti que não era defeito, era perfeito. A letra inicial do meu
nome fugiu-lhe da boca e daí vieram outras. Parcas, cheias. Um beijo muito bem
editado com os meus melhores cumprimentos. Para reservar voos que o meu nome é
este. Não acredito nos romances de encantar, talvez no primeiro beijo ao luar.
Gosto de ti assim, a partir de agora, o que se passa com o meu nome é o que se
passa com o meu coração. Uma letra para começar o que pode num grande amor
tornar-se. Foi o nosso momento. O piano de cauda em falta esteve na imaginação.
Inventei uma melodia qualquer. Guardei a verdade para ti. Fomos felizes assim.
Um dia a boca perdeu o sentido, a primeira letra o som ouvido. Guardámos uma
espécie de romance nas entrelinhas. Um livro de revisões e de recordações para
a vida. Rimos juntos. Avançámos a solo. No outro dia, quando me procuraste e lembravas
que o teu coração perdeu o objecto, não tive pena. Só respeito. Gostei de ti,
nunca menti. Volvidos anos, gosto de ti. Reinterpretados sentimentos. A boca
continua feliz, as dúvidas perdeste. Liga-me hoje. Sempre. Das relações, guardo
o melhor. Uma boca invejável, uma alma magistral. Um beijo, um copo de vinho e
a certeza de que o teu coração é forte, vai ganhar uma vida nova e estável. Um
príncipe sem título, crianças para a tua corte. Terminas como começaste, com a
letra que abre o meu nome. E amigos para sempre.
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