Um café e um romance, por favor - Estás a pensar em quê?
Perguntou-me o homem de idade, cabelo grisalho e desportista nato. Não dispensa
caminhadas longas e uma certa dedicação à vida saudável. Eu não me lembro da
última vez que entrei no ginásio. Talvez passe o tempo de forma desencontrada
com a força e o vagar com que uma mão passa pelo cabelo. Não há afagos para o
corpo, rasga num mergulho inventado e faz-te homem em cada sentido. Crueldade
tamanha. Nada dói, ninguém esquece. Tudo dói, ninguém perdoa. Toma o café,
antes que arrefeça. Prefiro assim mesmo, disse-lhe. Também não coloco açúcar,
sou incapaz, continuei. Perdes o doce e amargo ímpeto da palavra numa chávena
branca, útil, mas básica, atiçou-me. Ri-me e olhei-lhe nos olhos. Para, se
possível, tentar perceber a mensagem. Imitei, no lado esquerdo, um olhar que
questiona. Ando a ler, voltei-me para a literatura, adiantou. Uma leitura que
fala de amor, desabafou. Enquanto eu pensava que, por ignorância, tenho lido
substancialmente menos, aplaudi-lhe a decisão. Conte-me, então, o que aprendeu,
entretanto, pedi-lhe. Pouco ou nada, fico-me pelas mentiras que vêm lá e
gabo-me por ter mentido pouco, disse-me. Isso ou soube fazê-lo, respondi-lhe.
Gargalhou. E, agora sim, tomei o café. Ainda vou vê-lo a imitar um romance.
«Pouco ou nada, fico-me pelas mentiras que vêm lá...»
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Talvez seja isso!... Se calhar a literatura não é mais do que um embuste, quando a comparamos com a realidade. Na vida, quase nada é o reflexo das palavras que se bebem na solidão de um livro. Na armadilha das palavras que mais parecem um desafio.
No fim, quando se dispensa o açúcar, resta, de facto, o ímpeto das palavras numa chávena branca. Branca?!... É bem provável que seja transparente!
driftin',
EliminarBoas!
Uma perspectiva bastante válida. Um resumo, porventura, muito acertado. A literatura vive da vida e embrulha-a. A vida acontece e, não raras vezes, suplanta a criatividade da imaginação.
Contudo, ler é sempre uma excelente opção :)