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petiz, apressava-me a escutar as conversas que sobrevoavam o meu ambiente. As
que importavam aos meus. Com aqueles trajes aperaltados que a minha mãe
preferia colocar-me. Os sapatos impecavelmente limpos, as meias subidas. A camisa
com o quadriculado nos mesmos tons. A malha lisa e composta logo por cima. O
cabelo excessivamente liso e penteado. Os olhos grados, os ouvidos atentos. Se
não me falha a memória, um relógio no pulso. Já na altura, no pulso que hoje se
impõe. Não servia para coisa alguma, bem se percebe. No fundo, já denunciava
quão beto e polido havia de me conhecer. E sentava-me como manda a lei, por
ordem da minha imaginação, numa cadeira privilegiada ou num sofá estratégico.
Jamais furtivamente, que a impaciência fazia-me chegar de igual para igual.
Como se fosse, alguma vez, possível. Mas devolviam-me, quando não me impunham
outros afazeres, a decência de ter lugar. E deliciava-me com o baile de prosa
que por ali acontecia. A política exaltava os discursos, o futebol animava os
convivas, os vinhos e as suas texturas amenizavam os saberes, o trabalho e os
seus reveses impunham-se em todo o tempo e o mundo inteiro guardava lugar ali.
E eu inundado pelo fascínio. Absorto, não poucas vezes, pela desinformação e
desconhecimento característicos da idade. Mas fazia sentido. E quando assim é,
fica o calor de experimentar. O tempo passa, e confiando nele, nem guardamos as
contas de o ver seguir. E, volvido, vejo-me na cadeira de outrora ou no sofá
confortável. Crescido, ainda com os olhos grados e os ouvidos atentos. O
relógio com as horas certas. Os sapatos limpos, que podem ser os ténis mais
inusitados e os menos preferidos de quem vê. O cabelo com outro preceito. E a
mesma convicção de que quero fazer parte. Agora eloquente e escutado. Espero
que igualmente polido, menos beto. Mantenho o amor e o interesse. Pelos meus,
pelas palavras dos meus. Com a hombridade de me fazer presente e assumir que
vou mudar. E estar preparado para ver o espanto e o amor a condicionar os
gestos, as palavras. Vou mudar. E não posso oferecer garantias de que para
melhor. Mudei e não consigo explicar, senão porque me custava mais não
arriscar. Que me restem sempre estas pessoas, os seus discursos longos, a sala
com os melhores assentos. E a necessidade desmedida de os querer ver, escutar e
sentir.
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