A
primavera a dar o ar da sua graça, a favorecer, finalmente, os maldizentes da
estação molhada – onde, uma ou outra vez me vejo incluído – a levar as gentes à
beirinha das águas ainda frias. Os calções de banho com as listas certas, o
bronze comprado, os biquínis da marca que há-de badalar lá mais para a frente. Ao
convívio dos castelos de areia. Os pequenos numa felicidade sem tamanho. Os
passadiços, as marinas e as esplanadas vestem-se a rigor. Os óculos de sol são
novos. As mangas encolheram, as pernas já espreitam a cor dos dias. Encontro
alguma pressa nas vestes. Os gelados artesanais e dignos de fotografias para o Instagram a fazerem os primeiros
estragos primaveris na dieta alheia. Mas a ganhar gostos porque as legendas são
um chorrilho de #HASHTAGSSEMNOÇÃOEMUITAREACÇÃO.
Cumpre-se o dia nessa função. Ouvem-se os passarinhos, fisga-se a ideia do
romance de algibeira e crescem briosas as flores da época. Fosse capaz de
sucumbir à heresia dos amores eternos e era ver-me deitado sobre a flora de um
qualquer jardim abastado da cidade. Ou num pedante socalco das imediações. De
mãos entrelaçadas com a figura feminina que havia de segurar-me – entre juras
de amor constantes, actos a justificar o dito e paixão sem fim (que todos
sabemos que é visita de todo o tempo) – até ao último dos meus dias. Ainda com
os olhos divididos entre a profunda beleza da jovem e o céu azul sarapintado de
um branco fofo. Ainda com tempo para fisgar com o olhar as espécies que viajam
airosas pelos ares. Respirando fundo e sentido o pólen invadir as narinas, numa
gritante e dura guerra de um inimigo que, bem sabemos, logo depois, gritará
dono de todos os decibéis, que restar-nos-ão apenas umas valentes alergias. Terminando,
apenas, lamentando a minha falta de jeito por, em momento algum, ter levado
outras pessoas relevantes a ver borboletas coloridas e bamboleantes, assim
como, não ter colhido as mais frágeis mas simbólicas flores de um qualquer
canteiro. Respiro fundo. Mas com cautela. Temo o regresso da hipersensibilidade.
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