8.6.20

+ EMPATIA, por favor.

No instante, elevo o ambiente com Chopin, soa com importância, e só lastimo não ter garantido o paradeiro dos discos, lá atrás oferecidos por uma mulher admirável. Altiva, de cabelo medianamente composto, óculos graduados descansados sobre o peito e olhos profundos, dos que endireitam e travam a postura. Resignado, recorro ao Spotify e não banalizo. Aprecio sem régua e regra, sossegar-me a escutar cada nota. Deleite auditivo que me segue há anos, quiçá dos tempos em que proseava com júbilo e insensatez, travava curiosidades com os adultos, calçava sapatos finos com cordões e imaculadamente limpos, jogava as meias até próximo dos joelhos, usava camisas e compunham-me o cabelo de tal jeito, que denunciava um certo aspecto coquete e blasé, francamente precoce. Não necessariamente por esta ordem, tampouco em todos e cada um dos dias que desenham a semana. Que não me faltaram os ténis gastos, os bonés coloridos, os calções menos dignos e as camisolas estampadas. Vem dessa época, a certeza de que a humanidade tem trejeitos corrosivos, pensamentos perniciosos e acções erráticas e/ou criminosas. Que não somos todos iguais quando examinados pela torpe lupa da maioria. E que julgam com violência extrema, quando não a exercem única ou reiteradamente, sem adjectivo que a componha. Ou defesa que a justifique. Compreendi depois, que a desgraça tem nome: racismo, xenofobia, homofobia, e tantos outros que encerram todos os ódios que tenham destino. Pré-conceitos sem fundo que moldam e toldam a acefalia que brota da ignorante existência. Possivelmente, senão inequivocamente, é essa a raiz, a par da educação e dimensão cívicas. Aí falhadas rotundamente. Insofismável é a inocente posição do alvo, que sem resistir, sente o abuso no corpo e psique e vê aniquilado o mais primário dos conceitos, dos direitos de existir: a Liberdade. Nesta prosa, desde logo, denuncio o que, senão de outra forma, apelido de privilégio. E, bem sei, é palavra gasta e agastada no que concerne a esta fatalidade da sociedade, que gritamos globalizada, mas falece no umbigo. Por seu turno, insisto na palavra e na posição que, sem escolher, assumo. Aqui, discriminação positiva. Sou privilegiado desde a gestação (e recuso quaisquer associações ao facto da gravidez seguir; valido o amor e disponibilidade despendidos pela minha família nuclear e alargada e respectivos amigos, desde o estado mais ínfimo e intimo), por me ser permitido, já então, ser. A seguir, cada etapa fez comprová-lo. Em muitos e incomparáveis patamares. Jamais tive de questionar a minha tez, porque, em tempo algum, ma lembraram; nem senti olhares enviesados, dedos em riste na minha direcção ou dúvidas quanto às minhas capacidades; em última instância, ao meu lugar naquele espaço. A minha voz, sem esforço de decibéis, foi sempre audível e escutada com valorosa atenção. Não sei se entabuladas estas experiências, justifico a auto-apelidação. Embora sinta qualquer preconceito no pulso que passa desafinado, assim o observe ou conheça, não fui isento de assistir a racismo ou outra discriminação encapotados. E não tolero quem ainda acredita que resolve quando avança bacocas e falíveis justificações. Isso não existe. Ou fazer inverter o que não tem conversão. Chopin ainda soa, e eleva o ambiente. Mas não resolve. Procuremos o exercício da empatia. Urge e o esquecimento é veloz.

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