Trocámos
o abraço de todo o tempo. Demorado como a distância exigiu. Não doutrinamos a
pressa. Jogamos com a solenidade da presença. Não sabia por palavras dela, o
que já sentia. Guardava, singela e constrangida, para o jantar que se seguia. Neste
frente-a-frente, fico a perder. Somos amigos desde tenra idade, sequer sabíamos
eleger categorias de uma vida que havia de chegar. Adivinhávamos. À sorte, pela
sorte. Aqui, olhos nos olhos, nesse certame que é a amizade. Ao redor, há
burburinho, cabeças baixas, ora atentas ao prato, ora presas no telemóvel. Quase
não damos por elas. Alongámo-nos na prosa com recheio. Matámos saudades.
Cumprimos necessidades. Deixámos esfriar os pratos. Tomámos água, para não
adulterar o discurso e a apreensão. E deixei-me seguir, sendo todo ouvidos, com
pausas para retorquir. Neste frente-a-frente, particular e inopinado, fico a
perder. Somos amigos de longa data. Dos tempos em que o meu cabelo já gritava o
quão beto me guardava e em que o dela não desmentia a sua vocação para
menina-princesa. Aprecio quem conversa sem desviar o olhar, atenta e
convictamente. Como acontece. Apreensiva, foi soltando o que guardava para me
contar. Vejo a mulher do momento e a criança do laço gigante na cabeça. Quer
contar-me. E já sei. Finalmente, a coragem fez sair cada palavra. Sorri-lhe,
porque não sei fazer de outra forma. Não dei falsos confortos. Compreendi e
opinei. Não defendo, mas entendo. Neste frente-a-frente, sou manifestamente
menor. Pelo amor que a amizade construiu, pela necessidade de protecção que não
dispenso. Recuso ardilosas palestras sobre o outro. Como se as acções fossem o
resultado do todo. Ou a moral uma presa fácil. Ninguém é tão autómato ou irrepreensível.
Finda a noite, neste frente-a-frente, um inesperado empate. Pela hombridade com
que conduz a sua vida, e eu por vê-la fincar o pé em terreno pantanoso, quando
estava num passeio no parque. Mesmo sem o laço de outrora, continuas a fazedora
de todas as coisas.
Sem comentários:
Enviar um comentário