A
imagem condói. É doída, castigada. Sofrida. Pela rua, a direito, quando o sol
de primavera, ao fim fim da tarde, ameaça fazer mossa e convida à paragem numa
pretensiosa esplanada, quando já não
dispensamos os óculos de sol da nossa marca favorita e guardamos os afazeres
para o dia seguinte na agenda do iPhone,
surgem três rostos, novos, lá ao fundo. Três crianças num trejeito típico. Num
linguajar característico. Num tom de decibéis desconcertados. Cada uma,
carregando um balde. De forças melindradas. De ânimo exaltado a disfarçar o
peso do que carregam à obrigação de uma herança desgovernada. Os cabelos
empeçados, as roupas tingidas, os olhos remelentos e de vislumbre penetrante,
os rostos pintalgados com a cor da terra. A insensibilidade do hábito,
escorrendo-lhes rosto abaixo. As roupas tão saturadas do tempo e do vivenciar
tão quotidiano. Com isto, começaram a aproximar-se e tudo o que ficou para trás
no relato está, nesta altura, mais focado. As vozes mais próximas, os decibéis
confirmam-se carregados. O perfil desalinhado de quem nunca tomou o
conhecimento de outra vida. E apregoavam, numa tentativa, até aqui, infrutífera
de vender. Fosse o que fosse. Entre um transeunte e outro, entre o apregoar,
voltavam a insistir. A pedir também, que lhes dessem um euro. Pode ser só um
euro, diziam. E ninguém, ao passar, levanta o rosto ou parava para os ouvir,
tão pouco lhes olhavam. Mas os petizes insistiam, sem que parassem, ou
pousassem os baldes. A ladainha mantinha-se. Quando, já junto a nós,
perguntaram se queríamos comprar. Agradecemos, mas dissemos que não.
Sorrimos-lhes. Ela, como sempre, dirigiu-se-lhes, tornou a agradecer e com a sensibilidade
de sempre, voltou-lhes algumas palavras. E eles sorriram, ao mesmo tempo que
quase paralisaram a olhar-lhe. Obrigado, menina. Disseram-lhe os três. E
seguiram caminho. De baldes nas mãos. Voltando a arrematar pregão. Nós,
igualmente, seguimos caminho, enquanto pensávamos o mesmo. Preferimos não
falar. Novamente, colocámos os óculos de sol. Estamos em Portugal. Que aperto
pensar. Que aperto é observar.
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