14.4.14

Um bando de petizes.

A imagem condói. É doída, castigada. Sofrida. Pela rua, a direito, quando o sol de primavera, ao fim fim da tarde, ameaça fazer mossa e convida à paragem numa pretensiosa  esplanada, quando já não dispensamos os óculos de sol da nossa marca favorita e guardamos os afazeres para o dia seguinte na agenda do iPhone, surgem três rostos, novos, lá ao fundo. Três crianças num trejeito típico. Num linguajar característico. Num tom de decibéis desconcertados. Cada uma, carregando um balde. De forças melindradas. De ânimo exaltado a disfarçar o peso do que carregam à obrigação de uma herança desgovernada. Os cabelos empeçados, as roupas tingidas, os olhos remelentos e de vislumbre penetrante, os rostos pintalgados com a cor da terra. A insensibilidade do hábito, escorrendo-lhes rosto abaixo. As roupas tão saturadas do tempo e do vivenciar tão quotidiano. Com isto, começaram a aproximar-se e tudo o que ficou para trás no relato está, nesta altura, mais focado. As vozes mais próximas, os decibéis confirmam-se carregados. O perfil desalinhado de quem nunca tomou o conhecimento de outra vida. E apregoavam, numa tentativa, até aqui, infrutífera de vender. Fosse o que fosse. Entre um transeunte e outro, entre o apregoar, voltavam a insistir. A pedir também, que lhes dessem um euro. Pode ser só um euro, diziam. E ninguém, ao passar, levanta o rosto ou parava para os ouvir, tão pouco lhes olhavam. Mas os petizes insistiam, sem que parassem, ou pousassem os baldes. A ladainha mantinha-se. Quando, já junto a nós, perguntaram se queríamos comprar. Agradecemos, mas dissemos que não. Sorrimos-lhes. Ela, como sempre, dirigiu-se-lhes, tornou a agradecer e com a sensibilidade de sempre, voltou-lhes algumas palavras. E eles sorriram, ao mesmo tempo que quase paralisaram a olhar-lhe. Obrigado, menina. Disseram-lhe os três. E seguiram caminho. De baldes nas mãos. Voltando a arrematar pregão. Nós, igualmente, seguimos caminho, enquanto pensávamos o mesmo. Preferimos não falar. Novamente, colocámos os óculos de sol. Estamos em Portugal. Que aperto pensar. Que aperto é observar.

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