8.5.14

Uma casa portuguesa.

Lembro-me do espelho desenhado em tons dourados, nos contornos trabalhados da data, na parede de entrada, centímetros acima da mesa de apoio. A parede, escondida pelo aparatoso espelho, era coberta por papel de parede inocente. De cores sóbrias, de riscos simples. Liso, talvez. Logo depois da porta grande, aquele espelho era a estrela. Era a festa de muitos que por ali passavam. Não me lembro se, na não menos majestosa mesa de apoio, havia mais do que uma base de prata, uma jarra com flores frescas e um candeeiro vindo de fora. Uma vez por outra, um livro. A memória falta-me sempre. Menos, quando é festejo. Não simpatizo ou, melhor contando, não me sinto confortável com o facto de ser o alvo da comemoração. De tudo o que me diga respeito. Naquele espelho, vi pessoas observarem-se. De tantas e distintas formas. A mulher que se prepara para sair e não resiste retocar o cabelo arranjado instantes antes, de voltar a tocar no batom, de segurar a jóia que prende a atenção para as orelhas. O homem que chega ao fim do dia, pousa o que lhe pesa nos bolsos, respira enquanto se mira. Nós, ainda petizes, tentando chegar-lhe. Pouco a pouco. Primeiro, apenas o rendilhado dourado. Depois, surge-nos o reflexo do cima da cabeça. A seguir, os olhos ganham vida nesse espelho. Até ao dia em que, sem sabermos, imitávamos selfies imaturas. A risada era pegada. Naquela casa de sempre. O espelho sente saudades de ver passar. Tal como nós. De ver chegar. Comemorar, seja o que for, não tem data marcada. Mesmo que espere por nós sentada.

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