20.5.14

Veste azulejos como quem dorme sem descansar.

Conheci-a num dia solarengo, antes do verão quente, depois das chuvas intensas. Num dia que, num outro tempo, oferecer-nos-ia temperaturas amenas. O meio-termo foge-nos pelos dias, desata num galope de quem não tem espaço na agenda, de quem não guarda lugar para esperar, como a água escorre pela pele abaixo ou a areia investe numa corrida sem fim, por entre os dedos. Não consigo precisar o tempo que passou de lá para cá. Não há muito. Sem pensar, um ano que não parou. Porque o raro tem posição e prerrogativa para recusar parar. Mas, num jardim amplo e que nos engole só de olhar. À primeira vista, perdemo-nos logo, se não focarmos. Foi onde a encontrei. Havíamos marcado de surpresa. De ar pesado, algo másculo, estava de pé. Aquele corpo enérgico tinha um vestido a compor. Segurava, numa mão, partes de azulejos. A sua inspiração de cada dia. As mãos, apercebi-me no entretanto, estavam marcadas do trabalho. Sentamo-nos num baloiço. E, também aqui, o vagar pareceu tudo menos demora. Falou, nos primeiros relatos, a medo. Num tom baixo, num recurso a palavras repetidas. Sintoma de quem guarda nervos. Depois, bem depois agarrou o discurso e as memórias de tal forma, que conduziu sem esforço. Uniu-os, como só quem vive, se permite fazer. Agradeço, sempre, quem partilha vida comigo. Também à árvore que, durante toda a conversa, nos segurou tão bem. Os azulejos são a sua mala de mão. Não me esqueço.

2 comentários:

  1. Tão bom!!!!
    Partilha, baloiço alegria conversa... gratidão..
    sim a gratidão da amizade...
    pena que tão poucos a valorizem
    beijinhosss

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  2. Nos Entas,
    É brilhante como o ínfimo pode ser o todo. Garanto que não é um recurso da filosofia barata de mesa de café. Sinto-o assim, tal e qual. Sem mexer. A partilha e gratidão de que falas, são propriedades raras e gabo-lhes, sempre, a existência :)
    Beijinhos.

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