A
ver a banda passar - As cidades grandes, de resto, como as pequenas, noutra
proporção, são um espelho da sensatez ou do desaire do seu povo. Aquele pedinte
apoderou-se da esplanada quase despida de gente. Debaixo daquele sol forte de
verão a antecipar datas, sem chapéu que lhe valesse. Nem por isso, despido de
roupas. O corpo que carrega pelas ruas, tantas vezes de mão estendida, é o seu hall de entrada, é a sua sala de estar,
a cozinha e o quarto. É a cadeira de cada divisão e a cama em que faz de conta
que dorme. É, também, a sua varanda e o seu jardim. Não deixa de ser o
roupeiro, a porta e as janelas. Por tudo isto, guarda em casa, na que é
possível chamar de sua casa, a roupa que lhe resta. Sob aquelas temperaturas e
a torreira do sol, vestia calças grossas, botas invernosas, casaco de ganga,
camisa de tecido felpudo, ainda um lenço caído. De mão dada com o preconceito e
a insensibilidade, fingiram convidá-lo a sair. Anuiu, cabisbaixo. Mas, como nem
toda a gente se limita a ver passar a banda, alguém que nos acompanhava,
perguntou-lhe se precisava de alguma coisa. Tenho bons amigos, felizmente. O
jovem pedinte disse que não. Ela insistiu. Fome. Só queria comida. Faltava-lhe
comida naquele corpo. Naquela casa. Longe da mediocridade, ofereceu-lhe comida
e bebida. O rapaz estava perplexo, no rosto questionava a amabilidade. Porquê,
havia de se perguntar lá dentro. Agradeceu sempre. Mais e mais. Seguimos
caminho. Ainda voltamos, para a nossa amiga lhe dar uma última coisa. Já não o
vimos. Fechou-se em casa. Na sua casa, e seguiu caminho.
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