A
lamechice mora aqui, por certo. Mas não deixa de ser um facto que acontece por
acaso. Ou surge no descaso de fazer parte de uma outra fase. Minha, figurando
em pontuais momentos. A pausa que decorre de uma espera longa, em minha defesa,
é um espicaçar das lembranças. Das lamechas também, inevitavelmente. No carro,
sob a chuva copiosa, à espera de alguém. Uma cidade que, ainda assim, não tem
espaço para sossegar. O chapéu-de-chuva ainda é uma arma. Das mulheres e dos
afoitos homens que não se melindram com a insensatez de lhes chamar, aos protectores
da chuva, efeminados. E a vida continua. Eles são negros e cinzas, roxos de
listas beges ou a imitar a marca afamada que usa e abusa do preto e branco.
Encarnados também. Como se lhes escorresse amoras que já foram mordiscadas.
Velhos e novos. Alguns minutos e temos tréguas. Agora, a céu aberto, para
alguns, a arma serve outro propósito. Uma bengala de ocupação. E eu no carro.
Largos e incontáveis minutos. Continuei a observar. Uma mercearia ao fim da rua.
Renovada, de ar pensado, de imagem cuidada. Vintage,
por estar na moda e por fazer sentido o comércio de proximidade. Pensei, por
acreditar. Nisto, da montra escarnecida pelas pingas da chuva, sobressaiu uma
imagem que me remeteu para outros tempos. Uma balança, tal e qual como na
mercearia do meu lugar. O cinza que brilha com a luz. Os pratos que ladeiam.
Enfim, um indutor de recordação. De pensar em rotinas, lugares e, melhor,
pessoas. Não é óbvio, mas esta mercearia e, em particular, aquela balança,
simpaticamente, fizeram-me pensar no casal C. e C. Casal que admiro, embora,
ausentes. Longe da vista. Distantes na necessidade de chegar o fim. O tempo não
perdoa. A vida tem lotaria, mas não perde o prémio. Hei-de falar, noutro dia, dos
C. Ambos de nomes reinventados. Pela propriedade da minha tenra idade. Por fim,
chegou a companhia que esperava. Voltou a
chover. Tão verdade. Seguimos caminho. Agora, a bravura é da chuva, que
nos salpica sem molhar.
A chuva sempre teve mais coragem que nós...no final do dia choramos mais que ela...no final do dia todos somos lamechas. Recordar faz parte...mesmo debaixo de um guarda chuva =)
ResponderEliminarNada,
ResponderEliminarÉ bem certo. Ainda que se conjuguem todos os factores que nos possam, falsamente, melindrar as entranhas. Brinco, mas é a verdade. Faz parte. Em havendo chuva, é aproveitá-la :)