A
efeméride acontece onde e quando menos esperamos. Somos seres de rotinas, mas
mentimos. Não raras vezes, gostamos de surpresas com a mesma vontade. A verdade
é outra coisa. Se pensam em ti como tu pensas em alguém, embora real, pode ser
fatal. Na rua, onde quer que estejamos, é onde tudo acontece. A rua não se fica
somente pelo tudo, vai também até ao melhor. Encontrei uma onde se vive sem
medida e, melhor, sem o peso de parecer. Depois de sair de lá, fiquei com a
sensação de que ali, mais do que fingir, as pessoas são pessoas. Não brincam às
vidinhas, não fingem na primeira oportunidade. São seres sociais, verdadeiros.
Seres com rotinas reinventadas. Pensam em si e nos outros. Nesta rua, num lado
uma mulher dança ao sabor do sonho. As ancas sem sossego em frente ao espelho.
O cabelo a tapar-lhe parte das costas. Tanto quanto consegui ver, maquilhava-se
em frente ao espelho maior. E não sossegava as ancas. Dançava ali, porventura, com
a convicção e mérito de quem exibe, numa pista de outra importância, uma
performance trabalhada. E fazia caras sem fim para o espelho. Em resposta,
ria-se para ela mesma. No outro lado, um velho homem de jornal na mão. Lê com
atenção. Demora a virar a página. Os óculos ameaçam descer pelo nariz abaixo.
Do que vi, só se permitia descruzar as pernas e voltar a cruzá-las. Em momento
algum tirou o olhar das letras. Por certo, vai além das gordas, lê de uma ponta
à outra. Se um dia voltar, espero tornar a cruzar-me com eles. O homem que tem
tempo para viver e mudar a página. A jovem mulher que sonha e dança uma e outra
vez. O sonho é de todos e de cada um. Se um dia voltar, perguntar-lhe-ei, em
ganhando coragem, quais as boas novidades. Seja no ambiente em que tive e tenho
o privilégio de viver, seja no oposto, temos sempre o essencial para não
deixarmos de ser.
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