Nas últimas semanas tenho estado a trocar
mensagens com uma amiga. Mensagens escritas. Ora no mail, ora no telemóvel. Ou
numa ou outra rede social. Não estamos juntos fisicamente há tempo sem conta.
Demasiado. Contava-me das aventuras de uma cidade distante. Do David, eterno
beto de cabelo viciado. Zangou-se com o rapaz, premeditadamente, para
afugentá-lo. Excessiva parcimónia em inenarráveis actividades. Mau sexo também.
Enviou-me uns links. Adiei a visita. Já não sou capaz de contar os anos que
passaram desde o momento em que conheci a Joana. Chamemos-lhe pelo nome da
menina que come a papa, enquanto lhes cantarolam ao ouvido, de colher em riste.
Como quem fecha os olhos e permite-se imaginar. Devíamos ser assim, agentes da
imaginação impar e desassossegada. Porque a Joana não deixa de ser assim. E é,
sem grandes filosofias, uma miúda certa e feliz. Vai estando feliz. Canta, a
Joana canta. Às vezes, aqui me confesso, esqueço. Não me lembro que a Joana
pequenina, que conheci lá atrás, numa infância que parece distante, canta. Numa
infância quase ausente. Muito mais do que, de facto, é. Canta e fá-lo com
propriedade. Pois, vamos lá tentar entender, canta e fá-lo com talento. E,
finalmente, decidi abrir os links. Lá estava ela, bonita de olhos expressivos.
Os lábios atrevidos. A cantar em bares. A interpretar canções de outros. Em
jeito de rodapé, num dos e-mails com o link em anexo, perguntava a minha
opinião. Não sou o tipo mais avalizado para isso. Mas sei do que gosto. E tu,
Joana, cantas tanto. Dias depois, ela respondia. E recusava a minha resposta.
Agradecia, mas queria saber o que tinha para dizer sobre actuações ao vivo, em
bares variados, com canções de outros. O estigma existe, bem sei. Mas não
merece poste e bandeira. Joana, boa amiga, só se lixa quem quer. O preconceito
tem lugar para lá do dicionário, mas não vive para sempre. Cantas para caraças,
mesmo que a expressão seja típica da génese do calão. O resto é impertinências,
tal e qual, uma insónia. Canta onde te deixarem. Até que te valorizem a alma na
voz. Minha boa amiga, tens garganta. Humilha o povo sobranceiro e arrogante.
Joana, um beijo. E sê velhaca. Há quem goste.
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