22.4.15

Orientação do instinto.

Pouso o relógio na secretária. Ao lado, o telemóvel, o caderno onde escrevo notas, textos ou, em estando numa de outros desafios, onde desenho. O último tem orelhas grandes, focinho disforme e um olhar divertido. Um insano, tal qual o aspirante a autor. Ao lado, palavras soltas sobre Lisboa. Quem lhes chegar perto, achá-las-á desconexas. Pobres de assunto. Contidas na definição. Mas não é verdade. Escrevia-as há tanto tempo, mas continuam a fazer sentido. Tenho uma paixão sem fim por Lisboa. Não sou filho da terra por acaso. Um descaso feliz. Estas palavras soltas vêm de um momento concreto. Lembro-me, sem tirar um segundo, de descer a Avenida da Liberdade, num jeito quase imberbe. Passei por tantas pessoas sem lhes ver a cara. Depois da entrada do cinema São Jorge, levado pela saudade resumida num corpo electrizado, fui interceptado por uma senhora de uma certa idade. Tinha um ar cuidado, uma mala num braço e um saco de papel no outro. Perguntou-me onde ficava um número daquela avenida. Ajudei-a e, antes de seguir caminho, agradeceu-me sem fim. Confidenciou que tinha saudades da mãe, que se havia mudado para perto. Ouvir alguém daquela idade relatar, sem vergonha, que tem tamanha saudade da ausência da mãe, é um pretexto para um exercício do pensamento tão visceral e essencial. Continuei caminho, desta vez mais calmo. Até encontrá-la. Estivemos num abraço apertado tanto tempo que não tem conta. Olhou-me nos olhos e voltou a dize-lo: Estás apetitoso. Voltámos, agora a subir a avenida. Passámos, novamente, pelo cinema São Jorge e por tantas pessoas. Entrámos no hotel, ela ficou no bar. Quando voltei, no meu caderno, não tinha respostas. Tinha um desenho tão bonito. Há quem se sustente da arte. E viva como se canta no fado.

2 comentários:

  1. eehhehehhe é tão bom os "piropos" dados por pessoas não de idade... mas com tamanha capacidade de já ter ultrapassado os preconceitos!!!
    A minha mãe perdeu a mãe dela com 2 anos... e sempre que fala dela há lágrimas nos olhos....
    Não me admira, não fosse eu uma admiradora sem fim da minha própria mãe, minha heroína, minha força!!
    Há imagens que valem por palavras.... não é??? sorrio...
    Beijinhos Real!!

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    1. Nos Entas,
      Uma palavra positiva cai sempre bem. Independentemente da idade. Importa, isso sim, quem é e a proximidade que nos tem.
      Valorizo, por demais, aqueles que me são próximos e gabo-lhes a postura. Só assim faz sentido.
      As mães, por muitas voltas que insistamos em dar, vão ser sempre um caso isolado e extremamente pessoal.
      Há imagens que têm voz. E gritam.
      Beijinhos.
      Até já!

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