A
vida é bela, rapaz. Volto a lembrar-me de um dos filmes que mais gostei, pelas
tantas razões que hei-de sempre lembrar. Que, por ora, nada importam. Passei,
entre outras coisas, o gosto pelo filme à minha irmã mais nova. Lembram-se as
gerações de que viver em harmonia nem sempre é fácil. Arrumam-se os livros de
história, esquecem-se as tradições regionais, afastam-se os mais velhos, destroem-se
as praias porque ganharam títulos, compilam-se em discos externos as
fotografias, consome-se até à exaustão a música comercial. Nunca mais voltámos
a eles. A facilidade e a rapidez comandam ao nível da ambição. A vida é bela. É
nome de filme, volto a lembrar e é uma espécie de sonho, uma utopia que tem
jeito de petiz travesso. Como aquela sala, outrora cheia de gente ansiosa pela
orquestra imaculada, bem comandada e pela voz que viria depois. Os camarotes,
reis da vista privilegiada. Agora, vazia e com uma acústica excepcional, esta
sala é espaço de conversa. Logo à noite, apresentar-se-ão películas datadas.
Neste instante, a sala está despida de gente ansiosa e do burburinho que
especula sobre o que está a estrear. Agora, senta-se e somos todos ouvidos.
Estes quase noventa anos são a prova viva, guardada e pronta para passar para
uma prosa valente e inquietante, um Portugal de outros. O dela, por certo.
Estes quase noventa anos lamentam a sala vazia, nunca de público, mas de obras,
de óperas, da arte que merece ter tábuas para pisar. Tem um humor particular,
sorri com o rosto todo, mostra legitimidade e coerência no discurso e, ainda
mais, nos lamentos. Os brincos grandes fazem a moldura. As mãos marcadas
brincam com o fio que pende sobre o peito. Não pede mais oportunidades, porque
já não interessa. Aproveitou todas as que lhe fizeram parar e suspirar. Hoje,
pede a dignidade e a classe que a permita, nunca quando lhe apetecer, mas
sempre que surgir um cartaz à porta, para sair de casa, bem vestida, disponível
para passar um bom bocado. E, no final, aplaudir. Se preciso, de pé. Palmas.
A idade é um posto, sem dúvida. O que eu gostava de ficar a ouvir as histórias da minha avó.
ResponderEliminarA vida é bela é simplesmente genial.
(e, sim, estou a falar do filme. que a minha vida não é assim tão bela, muito menos genial. ;) )
Mam'Zelle Moustache,
EliminarTotalmente de acordo. A idade merece-nos todo o respeito e devida atenção. Eu, felizmente, ainda tenho uma avó com quem partilhar essas vivências e escutar-lhe as histórias. Do seu tempo, como quase sempre começam.
Estamos equiparados, portanto. Que a minha também não tem esse título, nem nos jeitos nem nos trejeitos. Vale-nos o filme, então ;)