Chegada
a vacância que do verão conhecemos, solta-se um ai de pena. Guardam-se os
calções listados, as Paez que fizeram
a estação. Logo as ruas ganham ares de senhora trabalhadora, menina estudante
de trabalhos pesados e catraia desobediente. Senhorial fica o ar de quem as vê
passar, cá em cima a tomar algo, lá em baixo na esplanada da moda bebericando
qualquer imitador do estrangeiro. Incluo-me nessa estirpe enviesada que se
deixa ficar e a ver passar. Se quisermos, numa de descoberta do alheio, incluo-me,
igualmente, nos que envergam uns calções listados e, de quando em vez, umas Paez da moda com ares de beto. Dos que
lá vão, entre um pé, depois outro, enfrentando a calçada desregulada da cidade,
vou conhecendo as suas estórias, algumas pelo menos. Senhora pequena de curva
acentuada, mulher de corpo rijo e altura de gigante. De braço dado,
entrelaçado. Vão acenando para esta e para aquele, gente da rotina que se vai
cruzando. Daquela boca um pouco desajeitada, com menos dentes, quase nenhuns,
saem muitas verdades. Trabalhou toda a vida, avança com a cabeça baixa rua
fora. Leva no braço direito a amiga de todas as manhãs. A mamã leva à escola,
deixa soltar logo depois de um sorriso rasgado, sem vergonha dos dentes que já
não estão lá. Que, de resto, lhe valeram a alcunha que carrega nos dias de
hoje. No mesmo saco, carrega as dores da idade, a rara flexibilidade e o peso
do desgosto. Morreu-lhe o marido, cedo e fugazmente, cedo demais, insiste ela.
Ficaram os filhos que não lhe olham no rosto há tempo demais. Um neto que foge
da calçada se a encontrar. Vou guardar o resto, que não me obrigo a desvendar a
intimidade de quem partilha, desinteressadamente, o que traça as suas carnes,
os ossos velhos e, mais importante, a psique. Essa, motor que é fundamental e
que se abastecesse na partilha. Que tire férias o verão. Sem prejuízo, havemos
de a ele voltar.
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