O
puto do skate e as marcas contadas - Passou por mim
um puto sobre a tábua. Um boné todo porreiro, num encarnado sangue, envolvido
por um verde seco. Uma pala à maneira, na cabeça bem seguro e direito, contra o
estágio de outros tempos, em que o dito seguia de esguelha. Um boné que por
estes dias ganhou outro nome, pelo menos foi assim que me foi contado. Passou
por mim, ainda cedo, um puto sobre uma tábua bem estilizada. Seguia seguro e
bastava olhá-lo para senti-lo confiante das suas acrobacias. As rodas queimavam
o asfalto. O barulho típico do material a fazer das suas, o puto com um sorriso
rasgado. Torneando as linhas, seguiu nessa trivial actividade, com a tábua
bonita. Sob os pés enfiados nuns VANS todos
rebentados. Lembro-me de pensar, lá atrás, que essas eram as marcas físicas e
visíveis que faziam falta. Que davam liberdade e individualidade. Analogia aos
velhos que me rodeavam e que, cheios de marcas no rosto, no corpo, tinham as
mais atraentes e dinâmicas estórias. E partilhavam-nas com gosto e empenho.
Corri o mundo sentado sobre as pernas cruzadas, num chão bonito e trabalhado,
ao ouvi-los prosear. Numa cadeira de orelhas ou num sofá datado. Envolvidos por
quadros bonitos com molduras douradas, prateadas e de madeira bonita. Também
num quintal coberto de cimento, envolvido por vasos aleatórios cheios de flores
coloridas e roupas num canto a secar. Os meus olhos largavam num deslumbre
escarrapachado. Que não mentia: estava interessado. Guardei essas conversas com
a mesma convicção – porventura mais – com que guardei, na altura, uns ténis.
Vem de longe a minha paixão. Usei-os até vê-los ultrajar com insulto aviltante
a minha mãe. Chegou o ultimato: era o fim. Não me lembro se chorei, mas fiquei
irritado. Eram a minha companhia, repetida, bem sei, mas eram. Com eles, se a
memória não me falha, lancei-me numa queda de bicicleta que podia ter causado
estragos sérios. No dia seguinte lembrei-me de um desses velhos que me
ensinaram. O que lá vai, lá vai. Aceitá-lo é mais fácil do que martirizar o
espírito. Não são palavras vazias. Atentemos na intensidade. O puto parou,
repentinamente, e ficou com a tábua hirta nas mãos. Equilibrou o boné encarnado
e verde seco. Os ténis ganharam mais uma para contar. Serviram, uma vez mais,
para a tábua amparar.
Escreves muito bem, parabéns.
ResponderEliminarMarta,
EliminarBem-vinda!
Obrigado. Perdão pela demora, mas, de quando em vez, atropelo-me noutros afazeres, e descuido este espaço.
Agradeço as palavras simpáticas, a visita. Neste contexto - o agradecimento, careço de prosa mais certeira.
Obrigado!
Volta quando quiseres. :)