Lá
vai Lisboa vestida de qualquer coisa, porque nos falta os adjectivos. Peca o
termo, porque não veste senão a inteligência, a simpatia, a ternura e a eterna luz
de quem a habita. Neste bairro de nome fácil e conhecido, onde nos lembramos
das marchas populares e da sardinha no pão, assim nos vemos chegados ao seu
espaço. As conversas paralelas, desta janela para aquela. Aquele grito de
verdade, que alude ao pregão de quem, em outros tempos, batia à porta. A vizinha
bonacheirona que brinca com as travessuras que vivem na imaginação dos lençóis.
Os homens que se encontram para beber qualquer coisinha e falar do que já
passou. À esquina, juntam-se as comadres, ouvem-se risadas graves entre as
mentiras com dó e as falsas verdades. O fado que vai acompanhando. Não deixa de
estar, mesmo que avances rua acima, rua abaixo. As cordas sobre as cabeças, ora
cheias da roupa que alguém lavou, ora despidas do branco algodão. Os números
pares deste lado, os impares do outro. As plantas em vasos desavindos mas
impecavelmente cuidadas. Debaixo desses números, portas que escondem outras
pessoas e espaços de convívio. As mesas a espreitar, as toalhas típicas, as
paredes no tom, as garrafas no alto. Vende-se aqui. Apelam e não dizem mentira.
São os melhores, aqui na Tasquinha da velha senhora. Tem bata axadrezada, o
cabelo branco, óculos de avó simpática, jeitos de mãos trabalhadoras. Mesmo a
descoberto, ali ao ar livre, não é esquecido o santo, que não é padroeiro da
cidade mas é casamenteiro. Não se esgota aqui, o bairrismo encantado. Vive, sem
esquecer, o preconceito no outro lado. Aquele snobismo encartado. Como se uns
brincos grandes e pendentes fossem empecilho. Ou uma mala com nome influente.
Perguntam-me, sempre que falo assim de uma Lisboa que não sendo minha, me
apaixona todos os dias, como é que é possível gostar-se assim. Não sei, é a
resposta. Continuam as questões, apelando, agora, ao facto de, em momento
algum, eu ter vivido a experiência de viver num bairro típico desta cidade. Não
sei. Não tenho resposta. Não tenho outra, senão esta.
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