6.7.15

A Lisboa que me apaixona também é isto.

Lá vai Lisboa vestida de qualquer coisa, porque nos falta os adjectivos. Peca o termo, porque não veste senão a inteligência, a simpatia, a ternura e a eterna luz de quem a habita. Neste bairro de nome fácil e conhecido, onde nos lembramos das marchas populares e da sardinha no pão, assim nos vemos chegados ao seu espaço. As conversas paralelas, desta janela para aquela. Aquele grito de verdade, que alude ao pregão de quem, em outros tempos, batia à porta. A vizinha bonacheirona que brinca com as travessuras que vivem na imaginação dos lençóis. Os homens que se encontram para beber qualquer coisinha e falar do que já passou. À esquina, juntam-se as comadres, ouvem-se risadas graves entre as mentiras com dó e as falsas verdades. O fado que vai acompanhando. Não deixa de estar, mesmo que avances rua acima, rua abaixo. As cordas sobre as cabeças, ora cheias da roupa que alguém lavou, ora despidas do branco algodão. Os números pares deste lado, os impares do outro. As plantas em vasos desavindos mas impecavelmente cuidadas. Debaixo desses números, portas que escondem outras pessoas e espaços de convívio. As mesas a espreitar, as toalhas típicas, as paredes no tom, as garrafas no alto. Vende-se aqui. Apelam e não dizem mentira. São os melhores, aqui na Tasquinha da velha senhora. Tem bata axadrezada, o cabelo branco, óculos de avó simpática, jeitos de mãos trabalhadoras. Mesmo a descoberto, ali ao ar livre, não é esquecido o santo, que não é padroeiro da cidade mas é casamenteiro. Não se esgota aqui, o bairrismo encantado. Vive, sem esquecer, o preconceito no outro lado. Aquele snobismo encartado. Como se uns brincos grandes e pendentes fossem empecilho. Ou uma mala com nome influente. Perguntam-me, sempre que falo assim de uma Lisboa que não sendo minha, me apaixona todos os dias, como é que é possível gostar-se assim. Não sei, é a resposta. Continuam as questões, apelando, agora, ao facto de, em momento algum, eu ter vivido a experiência de viver num bairro típico desta cidade. Não sei. Não tenho resposta. Não tenho outra, senão esta.

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