25.8.15

Um chapéu e uma maçã verdes.

Acabo de sair do carro, e vejo pessoas com vontade de que o verão não morra. Estou como elas e com elas, sigo caminho e tomo as escadas. Trago um livro na mão. Tenho outro sossegado na mesa-de-cabeceira. Ainda outro na mesa de múltiplos afazeres. Ler, assim mesmo, vale por si. Não precisa de parentes emprestados, vontades inquinadas e valores monitorizados. Ler, sem mais nem menos, é um absurdo e valente gosto. Desgosto, se não acontece. Por seu turno, absorve-nos o frenesim constante da rotina. Consome-nos a fantasia de que vale sempre mais. Fazer mais e deixar o resto em estufada espera. Também por isto, pesa-me o facto de adiar leituras. De deixá-los, aos livros, por aí, até à merecida oportunidade. De desligar-me, com a idade a cavalgar, das idas à biblioteca da cidade. Da minha cidade. Num destes dias, daqueles de transição, entre o chegar, o ir e o voltar. Passei, volvidos tantos anos, à porta dessa biblioteca. Por fora, despida e sentida do tempo, continua oportunamente à disposição. Em tempos idos, sozinho a ler títulos, descrições e autores, não tantas vezes como pudesse, eventualmente, querer. Noutras vezes juntava-me ao pessoal, por força de trabalhos escolares, entre a pesquisa efectiva, a escrita pertinente, os diálogos estratosféricos, a imaginação sem fim, os livros abertos e a informação a ferver. Precisamente num desses dias, nós os três, companheiros de sempre, sossegávamos o espírito no átrio, ao ar livre. Numa mesa mesmo ao lado, um senhor. Hoje, se conseguir com algum esforço lembrar-me da sua cara, dar-lhe-ia uns cinquenta anos, sessenta no máximo. Naquele dia, pareceu-me um verdadeiro ancião. O senhor tinha um chapéu de veludo verde-escuro, uns óculos graduados, uma barba farta e esbranquiçada. Cruzava as pernas e lia o jornal, enquanto pousados na mesa, estavam dois livros e uma maçã verde. Um deles, tão pesado. Por duas vezes, ouvimo-lo falar, mas não entendemos uma sequer palavra. Falava mais alto, como que a dar a entender que se fazia ouvir. Tornou e numa terceira investida, pergunta-nos se sabíamos alguma informação sobre aquilo que comíamos. Sinceramente, não me recordo o que era. Respondemos-lhe por educação. Ele continuou e disse-nos que a carne e os açúcares, assim como, outros pertences da alimentação quotidiana, acabariam por nos matar. Discorreu sobre este e outros assuntos. Comam maçãs, terminou. Tenho pena, muita, de me ter esquecido de grande parte do seu discurso. Comam maçãs, bebam água e criminalizem todo o fumo que vos invadir o corpo. Simpaticamente, agradecemos-lhe. Ele levantou-se, enrolou o jornal, pô-lo debaixo do braço, agarrou nos dois livros e na maçã. Esta, levou-a à boca e mordeu-a. – Agora, dizia ele, tenham uma boa tarde. E muitas maçãs, é o que vos desejo. – Estava longe, muito, de imaginar que um dia, não tão distante quanto isso, eu iria proceder a uma mudança alimentar com expressão. Unicamente, por convicção e interpretação próprias. Acabo de chegar, pousar o livro e escrever este texto. Aprecio a ironia mas não atribuo menos importância à valentia de alguém se levantar para deixar a opinião ficar.

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