23.9.15

Como disse?

Século XXI, chega o Outono no ano dois mil e quinze. Sentadas tomam umas águas, sossegam os óculos de sol na mesa. Em copos altos, brilhantes. De cabelos armados, cores simpáticas, bem ao jeito da verdadeira e recatada senhora da sociedade. Dentes brancos e direitos, batom cor de sangue, figurino a condizer. Saltos altos e malas no tom. Ouro e fantasia em amena convivência. Depois da morte, assunto de largos momentos, chega a depressão da sociedade global. Cruzam-se, imagine-se, raças, credos e outros fundamentos. A medo, esta amiga de longa data da minha mãe, conta que a filha vem mantendo uma relação com um rapaz. Silêncio. Um rapaz preto. Ouço um suspiro. Voltou a voz baixa e a ressalva que imperava: um rapaz preto, mas nada de especial, assim clarinho. Uma simpatia de moço. Limpa, cozinha e tem um sem fim de talentos. Mas é preto, o malandro. Esperando pelo fim do discurso, a minha mãe pergunta: - Estão felizes? - Claro, só não aguento ter de partilhar a televisão no horário da novela dos pretos. Peço-lhe, encarecidamente, que mude de sala. – A minha mãe ofereceu uma gargalhada das típicas e termina: - Que o rapaz a trate como ela merece, que sejam felizes. Longe de tornar a prosa anterior e a seguinte num estilo armado de ferro e ausente de ternura dos pés à cabeça. Da que me vem de dentro, fugindo assim a atenção do que possa, eventualmente, parecer. Mas apontando o dedo à miséria emocional e intelectual do outro. Não faz sentido, por força da verdade de cada um. Encontrei uma explicação para os encontros com esta conhecida serem propositadamente ausentes, demorados no tempo. É um absurdo que não se cultive a multiculturalidade. Certamente, tornei-me num homem com as características que me são intrínsecas e com uma outra parte, fruto dos estímulos e das circunstâncias. O preto, por exemplo, figura no topo das minhas cores favoritas. Mas não se esquece aí. À mesa, sentam-se bons amigos pretos. E, vamos lá perceber, temos conversas altamente cativadoras e reveladoras de inteligência. E, tal como eu, apreciam uma boa pausa para a ironia e respeitam a fraqueza alheia.

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