4.7.16

Imaginação com fundamento.

A hora do almoço chega e somos marionetas do tempo. A manhã levanta e somos dependentes do frenesim do mesmo. A tarde já vai longa e somos abalroados pelos maneirismos da série ininterrupta de segundos. Não ousamos sequer pensar o contrário. As excepções fascinam-me, acreditem. Toma chá, não sei se imperiosamente às cinco horas da tarde, mas lembra-me os donos da quezília do momento – os que se deixam toldar pela ideia, tão ultrapassada, da idílica sobranceria de guardar no espaço de terra rodeado por água, a obsoleta e falível verdade; contribuiu para isso, como se sabe, a idade avançada e as fábulas dos votantes - Esta jovem toma chá, traz o português limpo e escorreito na ponta da língua, tem pequenas sardas desordenadamente espalhadas pelo rosto. O cabelo claro combina com isso. E não me recordo, como é apanágio, se alguma vez trocámos impressões sobre o tempo. É portuguesa e o físico quase que a desmente. Voltamos ao chá, toma-o a que hora lhe aprouver, e traz o sorriso no rosto, os saltos altos escondidos numa mala, os rasos nos pés e a revista na mão. Lê a GQ e a VOGUE internacionais, escreve prosa bonita e poesia atrevida. Foi a menina da praia e do surf, das ondas repentinas e rebeldes. Cruza as pernas e tem tempo para pensar. Defende a confiança, a entrega e a competência. Maldiz a rotina, o comodismo, a lista de tarefas e a ficção entre pares. Atrevo-me a apelidá-la de mulher de sucesso, mas mais importante, mulher de sucessos. Como não raras vezes lhe atirei. Bem sei, não é sistema para todos, tampouco, para qualquer um. É, também não desminto, uma privilegiada, com uma bagagem que a permite ser como e quem é, sem prejuízos de maior. Mas é feliz e é a sombra reluzente de que há mais para lá da escravidão do tempo. Um livro ao adormecer, ganas ao levantar, chá ao entardecer e o sonho a insistir, faz por ti. Uma grande parte e sem espinhas.

2 comentários:

  1. Também sou pessoa que toma chá todos os dias. A meio da manhã. Chamo-lhe o meu segundo pequeno-almoço (sim, há um terceiro. um pré-almoço, vá).
    E é só mesmo o chá que tenho em comum com essa mulher de sucessos. Isso e uma certa leveza no modo de levar a vida que faço questão de ter e que, nas tuas linhas, me pareceu entrever.
    :)

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    1. Mam'Zelle, boas!
      Aprecio pessoas que tomam o seu chá. E, em calhando, que o partilham comigo. De resto, é uma excelente razão para reunir prosa à volta da mesa.
      Saco vazio não pára em pé, não é mesmo? ;) Os adágios salvam tudo e qualquer um. (Brinco)
      Não sei se será só o chá, até porque, entre as tuas linhas, vou vendo mais do que uma rapariga de pêlo abundante e horas oferecidas ao chá.

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