2.2.17

A totalidade do que passa ali.

O casario guarda os tons quentes, mesmo desmaiados pela corrosão característica dos tempos. A rua ladeada de uns poucos automóveis, as senhoras cobertas contra o frio, a idade pesa-lhes nos ossos e na carne, tremem se as raízes desmoronam. Vêem passar e não perdoam a habitual troca de palavras. Tão simples, quanto quotidianamente necessárias. Gesticulam com um braço, o outro desagua na bengala que fingem segurar. Vão, pé ante pé, até aos bancos ripados do pequeno jardim. Uma espécie de centro de dia a céu aberto. Onde se esquecem do mundo e se esquecem delas. Imagino-as tagarelas, outras vezes tufadas. Compete-lhes descontar horas de um dia que ameaça não ter fim. Outro destino vem lá, longe de entender, capaz de desencontrar gritos. Traz os cabelos encarnados, ora ao vento, ora tapados. Chama a atenção o fogo que nasce da imaginação. Aí, assoma-se uma incansável capacidade de recordarmos histórias de encantar. Não deixamos passar o cinema francês, as suas questões do amor sorrateiro e as silhuetas atrevidas. Julgo-a num desfile diário, leve e segura para lá, nos mesmos moldes para cá. Traz os cabelos encarnados, num tom vivo e viçoso, enrola ao pescoço um lenço de fina seda e no rosto mostra um jeito seráfico. Não conheço a sina, os queixumes e as vitórias. Não sei nada. Mais destemido vem um cão de pequeno porte, a ladrar ao mesmo tempo que imita um cavalgar desencontrado. Só sossega quando chega juntinho às velhas senhoras. Parece-me pertença do grupo. O dia está coberto e adivinham chuva e tempo agreste. Capricho ou não, deixam-se ficar. Acredito, dos velhos corpos e das mentes saturadas, há-de sempre nascer sabedoria. Reinventar-se em cada troca de impressões e olhar-lhes nos olhos. Até qualquer dia.

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