22.2.17

Em diferido. #55

Compensação das coisas - Já se fez noite. Está frio. O sobretudo e o cachecol quentes fazem as honras. O telemóvel não sossega. Ultimamos pormenores. Nos pés levo New Balance, numa tentativa de me lembrar que sou jovem. Estamos juntos, logo nos toma de assalto a ideia de que começamos a ficar velhos. Podemos estar numa mesa de restaurante. À nossa volta tudo arrumadinho, num jeito meio snobe. A decoração pensada, os empregados bem vestidos. A cordialidade exigida, o tom certo. Os copos altos, os pratos finos. A vista privilegiada. Tudo como, noutra altura, nos aborrecia. No instante somos apenas quatro. Amigos de longa data. Em tempos, fomos tantos. A vida leva-nos para longe. Junta-nos noutras alturas. Podemos estar numa mesa de aficionados do chocolate, numa conversa que não termina. Podemos, também, estar sentados no carro de um ou no carro de outro, a lembrar e a rir de nós. E dos outros. Ainda, num bar simpático ou numa discoteca da moda. Se possível, juntos entre fumos mais ou menos tóxicos. E bebidas com teor. Sempre, a inevitável certeza de que o tempo passa e já não somos iguais. Ficamos, a passos, mais velhos. Pesa, talvez. Como se não soubéssemos. Um amigo atira que uma semana de folia lhe deixa marcas. Outro já não aguenta fumar presentes como noutros tempos. O trabalho consome. Outro, esperto e atrevido como um petiz, atira-se, desnudo, à empregada do hotel e, de volta, recebe um valente grito. Já não é o tipo cujo diminutivo do nome lhe ajudava a cortejar. Irónico não sermos, senão uns jovens tipos a reclamar por juventude. Ou, a lembrar a força do que já experimentámos. O Tinder é motivo de conversa. Queremos saber das trocas. A noite já vai longa. Fica tudo por sublinhar. Amanhã é outro dia. À noite, temos, de novo, a mesma companhia. Até que um avião, um aeroporto, um trabalho ou uma relação nos chame de novo. Novos ou menos jovens, somos gente feliz. Mais ainda, porque temos amigos azougados, embora, donos de inteligência emocional e apostamos num bom par de ténis.

2 comentários:

  1. Sou daquelas pessoas parvas que se sente mais perto dos trinta do que dos quarenta (mesmo faltando menos de um ano para chegar à segunda década mencionada). Às vezes, em certas situações, dá para me sentir patética. De tão pouco ciente da força do tempo e do quão rápido ele passa eu percebo que estou.


    [engraçado. faz anos que ando dizendo que, quando for grande, compro uns NB. ainda não foi nestes saldos que aproveitei para pôr o meu desejo em prática. :)]

    Mam'Zelle, em modo outsider

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    1. Mam'Zelle,
      Sempre uma excelente visita. Seja de que modo for. Assertiva também.
      Sinceramente, não sucumbo diariamente à questão. A veleidade do tempo não me assalta amiúde. Vezes há, em que este grupo, não deixa escapar. Fingindo que estamos fora de validade. Como se existisse. Como se estivéssemos perto de definhar. Não é o caso. Porventura, a incapacidade de gerir encontros mais frequentes, levante a questão. Ou sou só eu a tentar encontrar uma justificação. ;)

      Percebo e sou suspeito, pois tenho vários e de diferentes feitios. Dessa e de outras marcas. Já sou conhecido pelo que apelidam de excesso. Eu fico-me pela paixão. Quanto a ti, ainda estás muito a tempo, que só somos grandes lá mais à frente e acredito que não desmentes ;)

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