10.4.17

Mariazinha, a dona da lhaneza.

As verduras frescas sobre a bancada. O verde reluzente. Os legumes bem cuidados, listados, as cores certas e os tamanhos irregulares. Os frutos em harmonia numa cama dividida, sadios e numa troca, quase lasciva, de olhar. Têm marcas visíveis, mas é a qualidade e a vontade de comer com certezas. Os orégãos dependurados, as folhas de louro na mesma carreira. Os limões vivos amancebados com as limas frescas. O alecrim apresenta-se em arranjos aperaltados. As malaguetas fervilham em ramos inventados. As batatas têm espaço e as alfaces são amigas das couves. As aromáticas fazem justiça ao nome. A bancada toda arranjada, sem prosápia nem falta de maneiras. De lá, ouve-se uma receita de arroz de safio e uma mezinha para a tosse, e de cá o pedido para que deixe ficar o saco carregado. Apresenta-se ao serviço, apresso-me a dar-lhe honras de dona da banca, uma senhora de alguma idade. Um pouco curva, de cabelos esbranquiçados, macérrima, de chapéu a cobrir a cabeça. Uma bata de xadrez, com apliques de renda branca, a defender a roupa de sair. Apetece-me dar-lhe os bons dias. E assim fiz. Devolveu-me um sabido e agradecido bom dia. Com o ar de quem o faz há tantos anos. Logo depois, quase sem cessar, serviu-me um sorriso gigante. Simpática e dinâmica pergunta o que quer o freguês. Penitencio-me no vazio dos pensamentos, pois, queria no imediato, prosa de visitante. Fotografar-lhe se não fosse ousadia. Ouvi-la conversar. Gabar-lhe os produtos frescos. Sugeriu-me o mel feito pelo senhor António. De resto, deixou-me à sorte das minhas necessidades. Perguntei-lhe o nome e contou-me que é Maria. Mariazinha para os antigos. E foi assim que, daí em diante, me pediu que a tratasse. Deixou-me fotografar o negócio montado, mas sem que ela se assomasse à objectiva. Respeitei. Trouxe uma fotografia vestida com a moldura da dona Mariazinha. A imagem na cabeça ao longo da manhã. E um frasco do mel do senhor António – imagino-o de bigode, não me sei entender. Logo eu, fraco fã de mel ao natural. Hei-de lá voltar. Nem que seja para lhe contar.

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