Numa
qualquer ruela de cidade distante, apequenada no terreno, bebericada de
mexericos, rica em tradições e gente genuína de rumores opinados, de gente que
trabalha as terras, quando não lhes roubam os terrenos e as enxadas. O verde
que refulgia a direito, esconde o abandono pervertido. Sob um sol que se impõe,
mas não aquece. Nessa ruela, bastam quatro cadeiras e duas mesas de esplanada jogadas,
rústicas e desajustadas, acomodadas à porta corrida de uma casa que já fora
conhecida como o retiro espiritual de senhores de bem que, em casa e causa
próprias, deixavam as legítimas, as esposas. Por ali, para lá da porta apagada
com marcas do tempo, fumavam-se cigarros e charutos. Baixavam-se calças, caídas
sobre botas rudes e subiam-se saias plissadas enquanto o decote ganhava emoção.
Bebiam-se vinhos e águas que ardem ao cair. A escadaria, depois do balcão maciço,
convidava a um outro nível. Dizem, escutavam-se barulhos vários. Arrastavam-se.
Hoje, que o sol brilha e bate neste prédio alto de janelas relevantes, que o
devolve sem problemas de consciência, à porta está uma mulher com perto de
trinta e seis anos, arrisco eu. Cabelo corrido e pouco escovado, as mãos
escondidas nas algibeiras de um casaco quente. O rosto cansado e um sorriso
tímido. Dois dedos de conversa e contou-me o que, durante décadas, por ali
aconteceu. O sol fugia, nesses anos. Pedi para a fotografar, envolvida pelo
prédio que me convidou a atenção. Sorriu, envergonhada. “Só se não sair daí”, da minha máquina, entenda-se. E não vai sair,
garanti-lhe. Pausei, entre a conversa buliçosa, para tomar um café. No final, a
mulher que toma conta, contou-me que, em tempos, naquela rua sobressaía bem
mais a chuva, a chuva de quem chora sem tempo. Do que o sol, que perdia. Choravam
sempre as mesmas. As que ficavam para dentro das portas, debaixo de corpos
grosseiros e as que, à porta, esperavam os mesmos corpos.
Tenho curiosidade para ver as suas fotografias também! :)
ResponderEliminarAgradeço, Raquel! Sinceramente.
EliminarAceito essa curiosidade como um crédito e um incentivo.
Embora, deva assumir, não me sei fotógrafo. Capto o que me chama a atenção. Guardo o que a luz e o espaço me deixam guardar.
Vou ganhar coragem. Um dia, partilho-as :)
ADORO...estes teus textos tão....cheios da simplicidade que te é característica e tão ricos em emoções e pormenores pelo que te rodeia.....
ResponderEliminarGOSTO mesmo!!
Beijinhos Real :)
Obrigado!
EliminarFico muito contente e agradecido pelas tuas palavras e por saber que o que escrevo me ultrapassa nas emoções e na dimensão :)
Beijinhos.
Até já!