4.4.14

A modista.

Aproveitou o regresso do sol. A ausência da chuva e do cinzento cerrado. Aproveitou, de manhã cedo, o regresso do sol invadindo-lhe o ateliê, montra adentro. A luz dando brilho e dinâmica às máquinas de costura. Os tecidos pendidos, ganharam cores sadias e vibrantes. Ajeitou os pormenores. Os trabalhos, uns expostos, outros guardados ou em construção. Os esboços, que lhe são do coração, tal o amor que lhes empresta, estão na mesa de trabalho, ordenados por épocas e clientes. As linhas, voltou a organizá-las no matizado que as une. A auto-estima, jamais esquecida, ajudou-lhe na escolha do figurino. De costas, reparava o teatro de que se faz a montra. De costas, repara-se, desde logo, no trio de laços. Três laços, três. De negro pano, desenhado pelas suas mãos, criado da imaginação. As costas despidas, de laços a embrulhar. A imaginação numa luta pela descoberta. Também esta jovem, que se assume modista de profissão, desafia-se, a cada dia, a descobrir-se mais e de contornos sempre diferentes. Impares. Assume-se modista. Diz, porque é feliz e viu a felicidade brotar do rosto e das mãos da avó, deformadas com o tempo. De pequena ficam-lhe as memórias e os moldes que abrem caminho para a árdua tarefa de se fazer o que se gosta. Moldei os meus planos, antes que me moldassem e atentassem. Rematou, antes da gargalhada. Antes de receber mais uma flausina. Uma cliente que guarda o melhor do termo.

2 comentários:

  1. Adoro a forma como retratas os pormenores......
    e como todas as "artes" te tocam da mesma forma, com a mesma admiração!
    Gosto!! gosto mesmo :)

    E é tão bom quando se faz o que se gosta, assumindo-se a paixão pelo trabalho... é mesmo bom :)
    Beijinhossss
    Até já

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  2. Nos Entas,
    Muito obrigado! Fico grato pelas tuas palavras.
    Talvez lhes dê importância, aos pequenos apontamento, porque gosto de pormenores. Gosto do que não é óbvio.
    A arte, no meu entendimento, ultrapassa, lá está, o óbvio, as convenções. E não é catalogada.
    Beijinhos.
    Até já!

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