Volto
sempre lá. Ou voltava até ao dia em que se mudaram. Que a cidade é bela e tem
encantos sem fim, já todos sabemos. Tem luz de casa real e prédios de decoração
fina. Tem beicinho se não prometer voltar. Sem ser preciso supor, tenho uma
paixão sem fim. A cidade é fina e tem lugares vários. Na mesma cidade, volto às
visitas. Volto sempre. Agora, volto a outro lugar, a mesma cidade. Antes, aqueles
prédios enormes. Cá do asfalto, antes do padrão português e do jardim
trabalhado, olho para cima e parece que nunca mais se endireita. É um indutor,
tão sedutor, do pensamento. Lá em cima, numa varanda larga, o cigarro de
ocasião. A visão inversa, o mesmo sentimento, a mesma sedução. Entre a conversa
e a vertigem passageira, passa no asfalto uma velha mulher. Se não me engano,
vi-a todas as vezes que os visitei. Sempre a passar naquela rua. De negro se
tapava. Só lhe víamos o rosto. Tão cansado e abatido. Um lenço negro a
tapar-lhe os cabelos, uma saia negra pelo joelho. Um casaco negro ou uma camisa
no mesmo tom. Umas meias negras a esconder a pele. Curva, parecia que nunca
tirava os olhos do chão. Puxava, com as mãos que imagino vencidas pelo tempo,
um carrinho. Daqueles que servem para o auxílio das compras. Era, sem falsas
ideologias, a excepção daquele lugar. Chamou-me, particularmente, a atenção.
Todas as vezes. Nesse fim de tarde, a última vez em que estive naquela casa, enquanto
a velha senhora passava, perguntei-lhes sobre ela. Não tinham muito para
contar. Somente, que todos os dias arranjava um canto para estender os livros e
tentar vendê-los. Assim, o carrinho com duas rodas era o armazém. Quão valioso
o conteúdo, permiti-me pensar. Como na literatura, a vida quotidiana é um
ensejo permanente. Até à página final.
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