17.6.15

A mais nova.

Escrevi no ano passado, neste dia, perto da hora. Repito-me, sabendo que o faço. Só a doçura faz sentido, mesmo que se multiplique por vezes sem fim. Mesmo que me repita. Só porque faz sentido. Houvesse um sem número de minutos ou linhas e perder-me-ia a descrever o primeiro dia da vida dela, o primeiro dia das nossas vidas com uma nova parte. Não é parte, não é, pelo menos, uma qualquer, se insistirmos no quão apoucada pode ser a porção de um todo. Neste tempo, tiramos verdade das expectativas. É uma das partes maiores da nossa vida. É o lado de menina, de criança. Ambas de jeito eterno. É liberdade nas expressões garridas, no trato rasgado de quando em vez. Na eterna forma de sonhar, de deslindar avarias de um percurso ou de se desmanchar com o peso e a dor de outros. Aquela miúda, de quem me lembro de pés em riste, para se afirmar numa altura que ainda não era a sua. Em pontas, qual bailarina treinada, voltava sempre à posição. E teimava na impaciência e na liberdade precoces. Porventura, artérias fundamentais da idade de menina. Gritava, em achando necessário, porque imaginava que lhe dava os centímetros ainda ausentes. Imitava os animais com uma personalidade desigual. Não guardava as suas opiniões e amputava os discursos dos outros que, em antecipação, achava nocivos. Não foi menina bailarina na pista, mas guardava nos actos a intempérie que lhe permitia ser dona de uma genica de pensamento. Hoje é uma jovem mulher. Opina sobre tudo e sobre nada. Sempre com tamanha convicção. Defende todas as questões com o mesmo peso e a mesma medida. Continua a acreditar em tudo o que a movia no passado. Ri-se com a intensidade característica, enquanto os cabelos ligeiramente ondulados lhe tapam a cara maquilhada. Hoje temos praticamente a mesma altura. Miúda velhaca. É uma data especial, bem sei. Mas escrevi sobre ti por me lembrar o ano inteiro. Fosse do teu gorro felpudo na neve, num inverno distante, fosse nos teus olhos claros, ainda mais claros pelo reflexo da piscina, onde fazias poses várias para a fotografia. A minha irmã mais nova foi essa rabina, mas é hoje outras coisas. Tantas que nunca sei o que vem a seguir. É uma impressionável amostra da nossa mãe, física e psicologicamente. Sem que as comparações se sobreponham. É individual no que é mais íntimo, sem se influenciar com as vozes alheias. Gosto de sabe-la preocupada por um punhado de tantas questões. Não adormeceu no conforto que lhe coube em sorte. A paciência cai-lhe em saco roto, diz-me, por não lhe fazer sentido. Como se tivesse poder de decisão, escolhe tudo para ontem. Havemos de comemorar logo à noite, depois de um dia cheio. Entre grande parte dos que te admiram e querem sempre presente. E, por momentos, vais ficar envergonhada, quando fores, merecidamente, o centro de toda a atenção. De bolo decorado, de velas da liberdade. Diferente das vezes em que, junto à piscina, de biquíni piroso, pousavas para a máquina fotográfica, de rosto tão divertido, de olhar ainda mais reguila. Parabéns! Um conjunto inumerável de beijos. O melhor, garanto-te, ainda está para vir.

2 comentários:

  1. Comecei a ler e imaginei que este texto fosse para a tua filha. Porque, para mim, só se consegue falar (escrever neste caso) assim - com tanto entusiasmo contagiante, com tanta beleza leve, com tanta graça a denunciar tanta cumplicidade; em suma com tanto amor - de um/a filho/a. Pensei assim, talvez, por só sentir este entusiasmo pela minha Bolachita. Talvez, também, por não ter tido um irmão mais velho.
    E, sim, confesso, por uns instantes, senti vontade de ser tua irmã. ;)

    Muitos parabéns para ela! :)

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    1. Mam'Zelle Moustache,
      Obrigado! Muito obrigado. Tamanha generosidade nas tuas palavras, que não sei agradecer de outra forma, senão repetindo que agradeço.
      Compreendo perfeitamente essa tua interpretação. Por certo, porque ainda não sou pai, me seja natural encaminhar desta e de outras formas, o amor e a admiração que tenho pela minha irmã. Por ambas. Por esta, a mais nova. Pela outra, a mais velha. Ainda não experimentei esse patamar de elevação do amor, embora, guarde curiosidade. Diz quem sabe e tu sabe-lo bem, há amores eternos e sem definição. O amor por um filho. Fico à espera :)

      Em alturas várias, a minha irmã dir-te-ia que a vontade esgotar-se-ia com tamanha facilidade ;)

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