As
ligações acontecem. Estamos todos ligados e os momentos sucedem-se. Levam
partes, trazem lembranças. Saímos para jantar, indecisos de primeira. Levamos a
vontade, perdemos a necessidade. Somos turistas de verdade. Aprecio os lugares sui generis, assim como, as pessoas.
Fora de qualquer padrão da rotina. E fico-me sempre por este lado. Faço,
inclusivamente, força para que a desarrumação física, intelectual ou outra, aconteça
e, claro, vença. Como naquele lugar, também ele desenhado ao seu jeito, com
fado a passar. Deixo-me fã e havemos de lá voltar. Logo me lembrei, por ser
impossível não enlaçar ideias, da avó de uma amiga. Mulher pequena, de corpo
macérrimo, olhar vincado e sorriso rasgado. Cabelo comprido, outrora negro como
a pérola, agora no tom copiado. Tem raça, a senhora cantadeira. Veste saia
comprida e camisa branca, não dispensa os saltos altos, brinca com os anéis nos
dedos eleitos. Os brincos generosos destacam-se junto ao pescoço esguio. Tem
raça, a dona. Pensei, isto mesmo, no dia em que a conheci. Foi-me apresentada
há uns anos, pela neta, e o discurso denunciava que estávamos perante uma
mulher com percurso e história. Não me enganei, que vim a ter o prazer de a
ouvir. Conversas que, sem mazelas, ficaram monólogos requintados. Dignos de
subir às tábuas. Deixei-me ficar, todas as vezes, a escutá-la. Como todos. E,
quando era pertinente, questionava-a. Respondeu-me sempre. Acredito, com a
sinceridade na voz. Numa dessas conversas demoradas, no ar livre cá de casa,
deixou escapar que canta. Cantava, ou cantou. Que perdeu a definição, tamanha a
dor de não fazer da voz uma profissão. Um marido com uma posição que não se
movia e um tempo que não era este. Canta, disse a neta. De outro jeito não
seria, pedi-lhe um fado. À capela, monstruoso desafio. Largou uma risada e
levou as mãos ao céu. Não, não, disse-me enquanto negava com a cabeça e sorria.
Adiámos o espectáculo de jardim. Nas vezes que se seguiram, voltou a adiar.
Será numa ocasião feliz e importante da neta. Vou esperando. Já lá vão uns meses
largos, desde a última vez que estivemos juntos. Está frágil, conta a neta.
Manda cumprimentos e nós devolvemos. Continuo à espera, obviamente. Que há
fados que têm tempo.
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