Os
lugares pequenos guardam um género capaz e característico, um jeito meio mimoso
de estar, de pensar, de receber, até de olhar. É encantador, quase literário.
Voltar é ver o tempo a acontecer. É ter sossego no poial da porta de entrada, é
pousar os braços no mármore da janela adornada pela cortina costurada pelas
mãos. É ter no postigo um compromisso, no vizinho um lance de prosa e no petiz
a esperança. Ouvem-se os pássaros a passar por nós, a irromper pelas árvores,
soando as folhas a bailar. A mercearia não tem outro nome, senão este. É a
única venda do lugar e à semelhança da tasca de azulejos sem fim, o ponto de
encontro. Entre o pacote de arroz carolino, o garrafão de vinho e o detergente
em pó, as novidades ganham caminho, de boca em boca. O senhor do chapéu
axadrezado já leva a vida dos outros na ponta da língua, conta à senhora da
bengala e da saia digna de fato domingueiro. A dona Gertrudes, de bata a cobrir
as vestes, leva um cesto de fruta e canta, sem preciso pedir, uma modinha das
antigas. No poste, logo à esquina, fica o cão da netinha, fugindo da calma,
vivendo a sombra. Passa fazendo-se notar, a motinha do outro senhor. Larga fumo
e barulho para os que ficam. O capacete mínimo mas no tom da máquina de duas
rodas que o carrega. Logo adiante, um fogareiro mesmo à porta, sardinhas e
carapaus a assar, o lume a passar, a mão a abanar o leque e a desesperar. Os
carros, mesmo poucos, alinham-se pela rua, tão certinhos. Se acontece
reconhecerem o rosto da visita, perguntam pela vida, pelo amor e pela carreira,
tudo de forma genuína. Não se esquecem de pedir a idade para, num soluço,
apresentarem o espanto. As pequenas povoações carecem, e não é displicente
lembrar, de suportes. A desertificação oferece novos tempos a uns e
esquecimento a outros, aos que ficam. Nestes lugares, mais isolados, pequenos e
pouco povoados, vive gente. A mesma gente que, assim como, os lugares, tem
traços pejados de raça, de conversas cheias, que nem a rasa ou nenhuma
literacia lhes rouba. São gente humilde, de rotinas repetidamente felizes. Tão
encantador, mesmo literário. Acenam no momento da partida, pedem-te que voltes,
como num bonito fado. Deixam saudade, mesmo que não lhes conheças o presente,
tampouco o passado.
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