20.6.16

Vida ladeada de encontros.

Dei-lhe os parabéns, um beijo e um sorriso. Talvez porque é agradável, simpática, atrevida até na postura avessa e no discurso provocador. Também, na equação, porque nos conhecemos desde os dez anos, se não me falha a memória. Fomos amigos, partilhámos a mesma carteira nas horas dedicadas à matemática. Lançávamo-nos para a bravura da disputa saudável no que aos números respeitava. Rimos do professor um tanto calvo, outro tanto grisalho. Alto, naquela idade ainda mais corpulento nos parecia, e dono do tiro certeiro. As balas, no caso, enviava-as da boca, que não guardava sossego. Fico-me pelo apontamento, para não cair na tentação de chegar ao demasiado gráfico. Fomos nos anos seguintes, embora na mesma turma, na precisão da tenra idade, avançando noutros interesses. No fim da adolescência, pela mão de amigos comuns, tornámos o contacto. Falámos, usurpámos a esplanada que já era do nosso grupo bom e grande, rimos outra vez, bebemos cerveja como se o mundo pensasse sucumbir. Não voltámos à estimulante luta de números. Havia de perder eu, já reduzo a especulação. E, num desses harmoniosos convívios contou-me que estava no curso de arquitectura. Isso e outros pormenores, do curso e do pessoal que por lá andava. Entre um cigarro e outro e mais outro, foi colocado prosa no ambiente. Usava decotes generosos, os lábios coloridos, os olhos felinos e o cabelo perto do tom do fogo. Era, se quisermos, uma excepção na imagem do grupo e o oposto da pequena com quem partilhei as aulas da ciência do cálculo. E isso era para todos, sem falsas justificações, indiferente. Guardámos, a dada altura, outra ausência. Voltámos a cruzar-nos, já ela era uma arquitecta formada. Os mesmos decotes, os lábios igualmente pintados, o olhar mais singelo e o cabelo mais sóbrio. Deu-me um beijo. Daí, fomos sabendo um do outro pelas redes sociais. Eu mais, que ela aqui e ali ia deixando cair uma selfie, e teve uma relação fugaz com um amigo meu. No outro dia, em sentido inverso na mesma rua, parámos. A propósito do aniversário, dei-lhe os parabéns. Agradeceu-me com um beijo num lado do rosto e a mão no outro. Tivemos tempo para trocar alguns momentos, olhou-me com calma e avançou que não perdi a magia. Mesmo noutra fase, mesmo sem a outra rapariga. E que o intelecto aguçado ainda o trago no rosto estampado. A verdade nela e a verdade dela sempre me interessaram. Por isso, tantas horas dispensámos ao diálogo. Terminou dizendo que gostou de me ver, e o meu nome foi o ponto final.

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