31.1.17

Entre a chuva que maça e o bom dia ditoso.

Não me canso de ver passar, observo sabendo que o melhor do outro está sempre a atravessar, enquanto o melhor de mim arquitecta a mais imponente e, não raras vezes, incoerente instalação. Respiro no compasso. Chove e chove com fé. A mesma que escorrega, fina e desesperada, pela folga dos dedos. Mas essa é matéria para outro eventual aranzel. Vem lá a rapariga que foge dos salpicos, hirta sobre os saltos altos, a mala bamboleante, o chapéu na cabeça a esconder-lhe os olhos bonitos. É a simpática de todos os dias. Desde que larga o seu Mini bege até que chega ao escritório. Ela pega nas pessoas e leva-as no colo de um sorriso bem sincero. Chove e chove com vontade. As senhoras da recepção dedicam as horas ao lastimo da água que cai lá fora, intercaladas com o chamamento do sol e com o trauteio das letras da Kizomba que não dá descanso. Exibem as unhas de gel feitas pela filha da Odete, a Carina que, desde meados do ano transacto, trabalha no cabeleireiro da Dina. Logo se vê, o negócio capilar e afins, ainda recruta conforme o nome de baptismo. “Dina Cabeleireiros” ainda tem saída. Praguejam como se o mundo tivesse perdido a lucidez. Não é mentira, não. Enviesados vão os tempos. Disformes, as acções que ficam escondidas na oratória desleal. Nisto, acomodado neste frenético evento matutino, soa o meu primeiro nome seguido do apelido. À minha espera, o sorriso de sempre. Vejo tudo isto e não me deixo fatigar. Bom dia, deixei-lhes ao sair. Desejo vida longa às unhas de gel e à executante, um verão tão longo quanto capaz de saciar, e umas valentes horas com a rádio nacional como companhia. Desce sempre em mim uma nada escusa vontade de acreditar no modo inócuo de a vida levar.

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