A
janela grande e escancarada deixa entrar, pelo meio das cortinas saracoteadas,
o sol da manhã, a varanda reflecte e temos várias cores a brincar nos móveis. Nas
costas uma estante digna. Lá fora, no jardim que está ao fundo, três velhas
senhoras. Conversam muito, riem também. Não esquecem as mãos e gesticulam como
quem ensina com o corpo. Vestem com cores garridas, têm óculos, seguram as
malas com fé e o calor lembrou-lhes o chapéu. Um de palha gasta e outro que foi
oferta de uma marca de refrigerantes. Conheço quem valorize pessoas e casas
pelas estantes e pelo conteúdo das mesmas. Assim chegados, procuram o espaço e,
desavisados, lêem as lombadas dos livros. Não entendo se é um passatempo ou uma
patologia sociocultural. Tenho os livros tão bem guardados. Uma verdade envolta
em ironia. Uns expostos, numa estante típica, alinhados e alinhavados conforme
autores e temas. Outros estão algures. Sei que andam entre cá e lá. Já
emprestei parte, já me emprestaram uns poucos. Prefiro comprar, prefiro que
sejam meus. Porque, para mim, um livro não se esgota na leitura, tampouco, numa
primeira leitura. Salva-se a lembrança e a vontade com o regresso ao acto de
ler. Repetido, mas com torneados vários. O voltar às capas, aos prefácios, ao
cheiro tão característico. Às notas que, porventura, me pareça pertinente
deixar. Procuro há vários dias, por uma obra antiga. Se não me falha a memória,
dádiva da minha irmã mais velha. Uma história arraçada de novela, um autor
nacional que deixou marca. Lembrei-me deste romance tão bem ficcionado,
precisamente, no instante em que me atrevi a comprar o meu primeiro chapéu. O
primeiro passo está dado. Falta-me agora, bem sei, a coragem e encontrar o
livro sumido. Orienta-se, assim, o meu instinto.
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