Chega
no BMW, com o cabelo arranjado, de
longe vê-se que é pintado. O sol ora espreita, ora faz gazeta. Demora a
estacionar, o lugar de sempre, a teimosia também. A boca num movimento
exacerbado denuncia a chamada. Acena com a mão esquerda, esboça um sorriso
largo, provavelmente, num soluço da conversa. O volante gira e torna a girar.
Por fim, o carro está no espaço que pretendia ocupar. Primeiro um pé num salto
generoso, a seguir o outro. A sola vermelha é a assinatura. Traz o iPhone colado ao rosto, a mala com a
marca visível e uns brincos extensos. O perfil alongado e chamativo. Nós,
sentados na esplanada a que voltamos com frequência. Pensamentos e afirmações
num reboliço. Tão somíticos no palavreado quanto possível. Chega, então, a dona
do BMW. Os olhares alheios têm um só
destino: a própria. Cumprimenta-nos, um a um, e faz-nos companhia. Desculpa-se
pela demora, mas foi culpa da cliente e da nora. É amiga de longa data de uns,
conhecida de outros. Amiga da putativa noiva, madrinha se o casório sair. É
puro divertimento partilhar o espaço com ela. Animada como poucos, dinâmica,
profundamente inteligente e isso reflecte-se, entre outros aspectos, no humor
dilacerante. Leis é com ela, capaz de interpretar e fazer por resultar. O
corriqueiro quotidiano não lhe escapa e adora fazer parte. Quando regressávamos,
em jeito de balanço, lamentávamos os pré-conceitos. Desde logo por ser mulher,
bonita, sofisticada. Depois, por ser a prova de que essas características são
genuinamente capazes de viver em harmonia com uma vida profissional cheia,
difícil e que a realiza. Certamente, há que temer um tanto deste mundo e do
outro, nunca as mulheres que o são por inteiro. Sem travestir, sem medo de
existir.
Sem comentários:
Enviar um comentário