Acordei
cedo, sem recorrer ao despertador, ainda que o mencionado esteja sempre
disposto para qualquer eventualidade. De resto, como acontece com clara
repetição. Fi-lo na minha cama, larga o suficiente para me esticar e guardar
espaço. Com a luz subtil do televisor esguio a fingir incomodar. O telemóvel
com acumuladas mensagens. A janela bem cerrada, a cortina fina a guardá-la. Com
escassas peças de roupa adormecidas sobre uma cadeira bonita. Sob o silêncio
dos dias, da rua sempre calma, de um país que ainda dorme com a devida
quietação. Mas é uma espécie de ilusão matinal. Depois levanto-me, percorro o
mesmo silêncio, e as verdades jorram pelos ecrãs afora. O mundo corre doente,
numa patologia encriptada, mal pensada. Imagino-o num cinza e branco, mais pesado
de negro, enfiado em dois comboios compridos. Onde os caminhos não se tocam. Um
para lá, outro para cá. Repete-se este movimento sem que saia do mesmo poiso.
Com ares de boomerang, mais uma das entretenhas do Instagram. Com a pesada excepção, é que este último pesca likes e não fica imortalizado na carne,
nas vísceras ou na vida de alguém. Discute-se, a plenos pulmões, a parentalidade
da senhora das bombas. Uns gritam mãe, do outro lado explicam porque são o pai.
A seguir testam-se mísseis e lembram-se as nucleares que guardam na manga. Morrem
pessoas – seres humanos – todos os dias à mercê de uma guerra que não compram. De
uma tentativa de fuga que não vê a luz do dia. Cospem-se perniciosos discursos
sobre os nossos e os outros. E, pasmados, sabemos da existência de um campo de concentração
para homossexuais na Chechénia. Não me engano se lembrar que estamos em Abril
de dois mil e dezassete. Espantam-me os olhos fechados, as conversas desconexas
e, por vezes, odiosas, que venho assistindo por cá. O mundo gira lá longe, mas
não nos esqueçamos, jamais, que vamos embalados na carruagem que mais parece um
balancé. Que soluço este, minha gente.
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