11.5.17

Viandantes apaixonados pela arte.

O trânsito está caótico. Mais à frente um carro todo simpático, pintado de um amarelo sereno, “decidiu” invadir uma propriedade privada. Muro ao chão. Murro no coração. Imagino a tensão. Vejo uma senhora em aflição. Gente a assistir. Ansiosos e com a eloquência nas mãos. Os meios de socorro já lá estão. O trânsito está caótico. Quase parado. Brinco com os dedos no volante. Faço retratos mentais do que tenho para fazer. Começo a acreditar que vou chegar fora de horas. E não vou perdoar. Não consigo funcionar de outra maneira. O relógio no pulso de sempre, o direito, alerta para os minutos a escassear. O carro também não deixa passar. Toca o telemóvel e hesito. Acabo por atender. Falam do banco, mais assuntos pendentes e questionário de qualidade. Volta o rádio a tocar. Raramente mudo a estação que escuto. Servem-me jazz. E nunca digo que não. É uma paixão antiga. Antes mesmo de ter conhecido a M. Bem, muito antes. A M. entrou na minha vida já a adolescência corria a bom ritmo. Ela era morena, de olhos claros. Tinha um cabelo bonito, longo. Era, na altura, uma artista de jazz em potência. Confirma-se hoje, artista de excelência. Tinha um jeito doce, meigo e bastante reservado. Nitidamente tímida. E não perdia nada, só lhe acrescentava charme. Andava, sempre que possível, com o instrumento. Ou eram as aulas ou os ensaios. Ou os tempos vazios ou a vontade simples. Com ela tomei conhecimento de mais aspectos deste género musical. E outras tantas partilhas que só nos fizeram crescer. Enquanto gente em formação interior, cívica e artisticamente. Era francamente bom. Acabámos por seguir caminhos diferentes. Nada beliscados, mas com fraca força para dar continuidade a uma relação de convivência próxima. Até porque ela foi viver para outro país. E os trejeitos da vida não têm de ter sempre uma justificação. Ou a justificação que pretendemos. A M. continua sóbria e apaixonada pela arte. O eterno caminho da salvação. Acredito e lembro sempre que posso. Por maior que pareça o caos, se amares a arte, tens o destino beneficamente traçado.

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